segunda-feira, 29 de julho de 2024

Barro e pó

¿Que hay en una estrella?
Nosotros mismos.
Todos los elementos de nuestro cuerpo
y del planeta
estuvieron en las entrañas
de una estrella.
Somos polvo de estrellas.
(Ernesto Cardenal)


Por que os tijolos e as telhas não se desfazem ao nosso redor ou em cima das nossas cabeças, se são feitos de barro? Não quero pensar em Química. Não importa agora. Eu sei, eu sei, temperaturas altíssimas asseguram que a argila, expandida, fique duramente unida sem perigo de que se despedace e espalhe. Mas então que baita azar o meu ter sido feita com esse pouco de frieza de vez em quando. Desintegrada, agora preciso dar conta de me varrer cada caco até que fique limpa. Já não sou a mesma que horas atrás se esfacelava. Essa chuva me amolece em lágrima para me lavar em pequenas partes - enquanto o sol promete que só vai me secar de novo se estiver minimamente reunida. Eu, que nunca tive talento ou habilidades manuais, vou precisar dar conta de me recompor. Primeiro o contorno de mim. Faço planos de me rechear dessa matéria e consistência que espalhei. Vou precisar conseguir me remoldar de cabeça, pedaço a pedaço, à minha imagem e semelhança, os mínimos detalhes. A poeira de mim que se perdeu na queda há de achar as frestas para dar liga à obra (re)feita - como nuvem - que deságua, faz crescer, transpira e ainda há pouco se precipitou. Eu só queria ser de novo inteira sem ter que dar o tempo ao tempo de esquecer cada parte que brilhava como glitter. Agora emboto - eu - cor de terra, como o pó. E lambo a ponta dos meus dedos ensaiando como virarei esta página só pra tentar me grudar a mim de novo.

Já não inspiro ou cedo aos mais profundos pedidos: cada partícula jaz torta no chão sem se lembrar que já foi uma promessa de cadência.