domingo, 7 de julho de 2024

Cativo

Teu sono ao lado me entrega a chave do meu halo das nossas algemas. Enquanto dormes, quero e posso me desvencilhar desse grilhão de ferro firme que bota… normal, atada a ti como eu quis tanto, uma das mãos da doppelganger de mim que agora precisa secar uma lágrima. Quando mais cedo viu o teu lábio fazer uso da palavra sorte, por fora concordou e por dentro parecia a moça de Psicose, só que na chuva fina. Gritava tanto. Sentia tanto medo. E precisava chorar por isso. Mas naquela hora estava de algema e precisava manter a compostura. Ainda há pouco, porém, liberta de ti acordado, eu chorei. E botei a mão na frente, entre a minha cara e o teu braço, pra te proteger da lágrima. Isso disse tanto, amor, tanto. Porque tu absorverias ela de bom grado. Me lamberia a cara inteira se eu pedisse. Já lambeu. Tens lambido há tanto tempo. Isso é o que mais me dói. Nem acordarias, o teu sono é pesado. Mas ficarias manchado. E eu não quero te manchar com essa tristeza. Por isso é que eu pus a mão. Por favor, acredita em mim, eu não quero a contaminação, estou pondo a mão e o resto na frente para que não aconteça, não quero que essa minha lágrima derreta cáustica na pele do teu abraço terno de sono e quente de afeto e de ânimo. Não quero que essa lágrima chore de anúncio se o meu coração estiver partido e partindo e eu não souber pra onde, então quando acordares vou estar com a cara seca. Quase sem fazer barulho, eu vou por de novo a algema. Vou ensaiar outra vez nossa coreografia de dedos entrelaçados pro ferro não doer na nossa carne. Já que nunca doía. Por enquanto fica dormindo mais um pouco sem saber que, nesse instante, quem está cativo é tu. Só tu. Estás cativo. E é no pior sentido.