segunda-feira, 18 de maio de 2020

Me salvar de mim

Levantei a cabeça com o espelho ainda fosco e adivinhei atenta os meus contornos no meio da nuvem de vapor quente. Meio disforme, mas era eu olhando pra mim. Sei porque havia quase uma dúzia de vincos paralelos manchados de batom e vinho tinto no lábio inferior projetado à minha imagem, à minha frente. Conheço bem os meus defeitos. Pequenos sinais do que fica marcado, apesar de toda distração e por causa dela. Símbolos das marcas do que se é, convivendo junto daquelas do que se foi. De repente, de tanto ter que me encarar, perguntei a razão de desejar sempre aquela mesma fuga eufórica. Que portas tenho mantido trancadas para não encontrar as verdades e os ossos das que vieram antes de mim? Questionei meu reflexo sobre que curas posso me proporcionar e tenho me recusado. Pensei nas privações que não faço. Nos sinais que negligencio. Então da próxima vez direi: de muita coisa. A gente foge de muita coisa. A realidade é muita coisa. E muita coisa do que a gente foge importa. No fim do dia, não quero fugir nem ser uma donzela indefesa. No fim do dia estarei a sós com as chaves. Só eu posso me salvar de mim.

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