sábado, 9 de maio de 2020

Banho quente

Não sei sair de um banho quente no inverno. Do mesmo jeito que não consigo concentrar no que as respostas de fato significam em vez daquilo que insinuam. Às vezes prefiro o terreno incerto de qualquer coisa. Reparto o frio na barriga em fatias, para gozar dele um pedaço por vez. A pele arde. Eu avermelho. Não sei olhar as coisas como elas são senão através da lente de como poderiam ser. Quando dou por mim, a água do banho já me esquentou os pés, correu as costas, me viu toda nua, entrou boca adentro. Um banho quente é bom porque é simples. Porque nos simplifica. Basta um corpo e uma vontade de banho. Um banho quente não exige longas digressões. Não se relê um banho quente várias vezes para tentar entendê-lo. Um banho quente não respeita caras enigmáticas e nele não cabe se demorar nos problemas. Com frequência, é num banho quente que fluem as soluções. Está para o inverno frio como o banho de chuva para o verão, renovando o ânimo. Com o cabelo molhado contra ombros e braços sem qualquer exigência, a gente se sente um pouco mais confortável e acolhido. Não sei sair de um banho quente no inverno, mas para conservar o quentinho de uma surpresa sempre nova, entre um banho e outro esqueço sempre da expectativa do próximo.

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