Sou uma Lila às avessas, você sabe: eu quero escrever para durar além de mim e não passar batido. Voltar e ler a captura de um momento exato em que tudo pareceu mais leve porque você estava. Você
que já me enxergava antes de eu estar totalmente a descoberto. Você que desvia de todos os caminhos da presunção e admira a poesia concreta. Contida não em palavras e sim nas escolhas, nas certezas, nas constâncias, nos gestos.
Nosso amor é esse livro que escolhemos ler antes dos outros apesar de todas as bibliotecas que por isso permanecerão intocadas. Amar você me orienta.
Arrisco em dizer que me orienta até mais quando é difícil. Porque talvez a maior lição da minha vida seja aprender a persistir
no acerto
até quando ele me desconforta.
E você é um acerto dos grandes.
Um equilíbrio de doçura e dureza, mas sobretudo de disponibilidade e cuidado com o que é frágil de mim.
Se minha boca adormece, meu coração palpita ou minha náusea embrulha, num gesto íntimo você me desculpa pelo trabalho que eu dou ao trocarmos a direção me dizendo: Ana, a ansiedade é um zeitgeist.
E sei que porque eu caminho contigo às vezes sinto essa impressão de que estou a salvo. Que só divergimos no superficial e que concordamos no fundamental.
E isso é tão raro, amor.
Atravessar a vida com essa certeza é de uma raridade raríssima, pleonástica, superlativa, e você me empresta ela um pouco mais a cada vez que fazemos o caminho de volta para os braços um do outro depois das dúvidas e dos problemas que até então não tínhamos.
Você me alcança com palavras que nunca tinham tocado antes: diz “progressivo”; “psicodélico”; “experimental”; e eu me alegro de pensar no quanto ainda tenho para ser descoberto, e me dá também uma vaidade alegre imaginar as coisas que te alcancei e apresentei primeiro, por menores que sejam, e aí esta outra coisa a que se pode chamar um encontro ganha contornos de mistério em como por que é que eu encostei no pendrive de um cabeludo tímido na frente do bar e perguntei: o que é isso? E ri ainda sem saber ali que depois nossas vidas seriam entrelaçadas tão significativamente.
Você me toca.
Ser tocada por ti me comove. Te enxergar inteiro é um exercício que vai durar pra mim. Como durarão também estas declarações de amor: um retrato fiel do que a gente é capaz de fazer enquanto o mundo lá fora pode nos torcer, caótico, e estar prestes a explodir em calor, guerra ou crenças mirabolantes. Tendo a difícil paciência mansa de se amar com insistência, se encaixar até caber, entregar tudo, curar onde dói.