domingo, 5 de julho de 2020

Eco [19]

Não tenho coragem o suficiente de te querer menos que o suficiente. Ou de te beijar pouco. Não posso me dar o luxo de te ver chegar, insistir e depois perder o controle, Laura. E também não comportas nem mereces meu desejo médio, equilibrado e recomendado pelo Ministério da Saúde. Sentado nesta cadeira e te olhando de longe nesta sexta-feira fria imagino, desavisado, escorregar a mão por dentro da tua roupa sem saber que vais querer logo tudo. Deve ser por isso que teus lábios sem voz encontram os meus olhos e se desenham numa pergunta, me dizendo: eu duvido. O prazer de uma transa não vai nos bastar, mas reconheço o quanto é incoerente te negar essa possibilidade. É tão complexo que não sei explicar. Então tu diz eu duvido e depois me arrasta, rendido, para o escuro do banheiro de uma casa vazia. Todo mundo vê, mas ainda assim subir a escada contigo tem o gosto de um segredo. Teus dentes batem contra os meus lábios com força e me puxando e eu tenho cada vez mais certeza de que do teu beijo, Laura, eu nunca vou poder dizer que seja como um pedido de licença. Tu és o avesso de morno. Tens tudo que é confortável de cabeça para baixo. Eu fico frouxo diante de ti e do teu tamanho. Por isso desejo que me perdoe por não saber direito te dizer por que não. Por investir sem pensar a minha mão e a minha coxa contra o vão quente das tuas pernas. Nunca sei, depois, onde quis chegar e por que não tive coragem. Mas gosto tanto da cor da tua intensidade. De pintar os lábios nos teus, juntos, no escuro, e ter uma taça manchada da tua boca na pia do dia seguinte. Tenho agora a memória da tua textura úmida contra os meus dedos, abraçados e tu de costas. Ainda bem que sobrou um pouco de juízo. És tão completa, oscilante, cruel, humana, gostosa, intensa, livre e poética. Deve ser por isso que me dá medo te apertar contra mim, carne magra contra a minha, até os ossos se apertarem uns contra os outros. Tenho tanto medo de te quebrar que quase esqueço que tens a força de três ciclones e seguramente dentro de ti arde mais de um vulcão ativo.

Nenhum comentário: