segunda-feira, 6 de julho de 2020

De liquidação

Estamos fazendo a mesma manobra, com a diferença de que eu estou querendo te dizer há dias que aquele jeito de bater na porta antes de entrar é o mesmo que o meu, uma coincidência enorme. E tu eu não sei. Estamos esfriando antes de ter aquecido bem? Eu me sinto alguém que assopra as brasas a plenos pulmões quando não estás olhando e esfregas as mãos e as enfia nos bolsos achando um isqueiro perdido na tua jaqueta preta. Não sei o que te lembras quando isso acontece. Não tive tempo ou entrega para descobrir. E começo a sentir um desconforto em te escavar e receber sempre mais risadas do que respostas. Estamos salteando encontros no calendário com moderação mas eu gostaria muito de aparecer de surpresa. Tu não. E assim vais me ensinando a me recondicionar para o mundo com esta espécie de covardia que só retribui a indiferença que não doa. Ou que doa, mas saibamos fazer de conta que não. E vamos nos mantendo muito leves e livres e alheios ao que virá, mas eu estou só fingindo o tempo inteiro que sei boiar em água mansa enquanto não sentimos prazer ou remorso em mergulhar um pouco, nem que seja com a ponta do pé. Quero sentir tudo muito, mas desconfio que tu nem saibas. Acho que não apertas os olhos para fazer foco além dessa versão grosseira de mim que se parece contigo. Como se vivêssemos um romance de liquidação. Somos as peças que sobraram no final da estação. Eu me vendo barato pra que tu que não deixes de me comprar uma vez por semana, como um velho hábito sobre o qual não seja preciso reservar energia para pensar a respeito. Cerveja, pães, cigarro ou alface. Já não tenho certeza de que te prefira acreditando que eu também não sei o que quero e o que não quero da vida. O que me alivia ou o que me assusta. Porque acho que sei. Estou o tempo todo querendo dizer um sim enorme para qualquer coisa. Mas tu não me perguntas nada.

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