domingo, 26 de julho de 2020

Atlântica

Passa de duas da manhã. Lá fora faz frio, aqui dentro eu faço questão. Hoje sei que não vou conseguir adormecer antes de escrever que me dói perceber ter apostado num pacífico sendo tão atlântica. Você é pacífico e eu sou atlântica. Atlântida. Uma cidade inteira submersa no peito, onde tudo acontece. E nela tantos tesouros escondidos que eu gostaria que fossem encontrados. Se ao menos você procurasse. Mas esta noite não. E acho que nas outras tampouco. Olhando pra tela em branco onde esse texto se desenha na madrugada do sofá da minha sala eu tento de novo entender, em vão, essa predileção estranha por quem me quebra sem notar que quem me quebrou fui eu. De novo. Você é tão pacífico. De um jeito que chega a me irritar. Você não nota o tamanho do que se esconde no meu degrau de baixo. Nem faz questão. Você não nota que vai mas fica um pouco, como óleo, formando pequenas manchas no meio de mim. Quem nota me manda fugir. Ou partir pra outra. Ou não me permitir de novo insistir até que seja tarde demais. Você vai e eu me dou conta de que isso não importa o quanto poderia importar, se você se importasse. Esse silêncio me ajuda a entender do que eu quero me distrair quando te busco pra perto. O frio também. Mas hoje você não me entretém. Pra ser honesta, hoje nada me entretém. Então, de repente, tudo cai sobre mim como uma pedra atirada no fundo de qualquer oceano. De uma vez. Lenta e só. Reescrevendo a lei de sua própria gravidade. Percebo tudo de uma vez e não consigo desver esse descompasso. Mas eu mal comecei e estou tão cansada. Dessa procura. Dessas apostas. Dessa necessidade de não pensar a respeito. De me dar o que comer. De me por pra dormir. Mas você não quer saber. Não, você não quer saber. E, se pergunta, é como que por educação. Você só quer deixar ser, estar, acontecer. No fundo, você não quer saber que eu perdi as contas de quantas noites como essa eu sou feita. Muitas, pelo que me lembro. E muitas ainda virão, pelo que suponho. São noites que cabem no bolso desse casaco. Por dentro da meia-fina preta. Na textura do batom vermelho. No cheiro doce impregnado no meu cabelo. São noites em que eu levo o que machuca pra passear, mas trago sempre de volta, pra casa, em guerra, exausta, sozinha, no fim.

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