domingo, 21 de junho de 2020

Paladar não retrocede

Faça um combinado comigo. Quando um homem se julgar insuficiente pra você e denunciar isto naquela conversa à toa, você não vai mais revirar o baú profundo e escuro das virtudes dele pra encontrar razões que ajudem a convencê-lo do contrário. Prometa-me que você fará algum esforço pra acreditar que, provavelmente, ele está certo, se é que lhe deixa na dúvida. Prometa-me gastar sua energia lembrando que de fora se enxerga melhor. Que até ele vê. Não, não tem nada a ver com egoísmo ou soberba. Ou talvez até tenha mas, de todo modo, esse pensamento vai lhe economizar um tempo precioso. Então só tente fugir desta inexplicável vontade de se colocar em posição de salvadora da pátria. Fuja de gostar de estar em alguma vantagem nessas dinâmicas. Fuja dessa armadilha batida que armou pra si mesma. Apenas não seja mais esta desculpadora profissional de culpas que não são suas e nem foram provocadas por você. Com isso, respeite o tempo que você gastou lidando com as suas próprias culpas. Respeite a força que exigiu se tornar quem você é. Oh, não, não me entenda mal, este não é um grito de ódio ao que é masculino. Antes um incentivo. Estou me dispondo a rachar com você esta conta que, sabemos, sempre foi cara demais pra dividir com alguns deles. Prometa-me, por mim e por você, que aos homens que nos merecem não chamaremos mais presunçosos. Prometa-me que não nos acovardaremos diante deles. Prometa-me se lembrar (e me lembrar, quando eu precisar) que paladar não retrocede. Que não vai dar pra comer ovo frito fingindo que nunca provou caviar. Que o que é ordinário não supre o que é extraordinário. Que deitar no peito de alguém que não diminui esse barulho que não cessa na sua cabeça não lhe adianta pra muita coisa. E que tudo fica ainda mais deprimente se ele sabe que você poderia estar deitada em qualquer peito e escolhe se encolher pra caber no dele. Então não se deixe esquecer disso - e, se não for pedir demais, não me deixe esquecer também. Não se agigante menos pra fazer par com qualquer homem que saiba que é insuficiente pra você. Insuficiente esta noite. Ou neste momento da vida. Ou pela vida inteira. Prometa-me não ser como a onda que se dobra resignada pra morrer na areia, e sim como a força que recolhe a água de volta ao que é profundo pra produzir inexplicavelmente uma infinidade de novas ondas. Sucessivas. Fortes. Bonitas. Avassaladoras. Do jeitinho que a gente gosta. Porque o mar só é o que é por causa dessa força. E nós agora já sabemos que nada gira em torno de um homem ser ou não ser suficiente. Pra encurtar a conversa, que nada gira em torno de um homem. Pense um pouco e você vai ter certeza que nunca mais será uma musa da Bossa Nova. Quiçá nunca tenha sido. Já não nos cabe este estigma de ser só perdão ou compreensão. Já nem deve mais nos servir aquela fantasia de enfermeira (sentimental). Então talvez tenha chegado a hora de abrir a última porta. Que só abre pelo lado de dentro. Esta que varre pra longe o auto-boicote. Esta que, entreaberta, nos lembra de protagonizar nossas próprias águas de março e veranicos de junho. Tem algo incrível pra saber sobre si mesma nos próprios furacões. Nas próprias calmarias. Então, por você e por mim, lute ao lado do exército de mulheres potentes ao seu redor contra esta legião de homens meia-boca que tem nos aparecido. Porque não é. Não é. Não é. Mas se fosse eventualmente uma guerra, eles estão dizendo que sabem que não nos venceriam nunca. E agora, com esta promessa que fazemos uma à outra, nós também sabemos. Somos nossa vanguarda, escudo, arma e cavalaria. Proteja como tesouro esta certeza de só precisar ter ao lado alguém que faça páreo pra você.

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