quinta-feira, 18 de junho de 2020

Fatalista

A árvore com a qual cruzo todas as manhãs deu a entender hoje cedo, com menos de meia dúzia de folhas secas, que já não é mais a mesma de antes, como se pressentisse seu destino: nascer, crescer, florir de um dia para o outro, aos montes, de um jeito lindo, e depois ganhar a cor esmaecida do outono, caindo e fenecendo nas calçadas numa sujeira ainda viva que o morador caprichoso tratará de varrer sabe-se lá para onde.
Ficam só os galhos finos apontados para o céu, confirmando o rito de passagem. Todo outono faz desta árvore um pouco mais fatalista, mas a verdade é que ela não perde nunca a gana de florescer de novo. E se tem medo de parecer morta ou perder a cor, custa-lhe um pouco mais aceitar o que sabe bem a respeito de si mesma. Tenta se preparar para o óbvio - considerando óbvio, por alguma razão, só o que sempre lhe aconteceu de fatal.
Ansiosa pelo momento da florada e, pouco depois, pelo momento de sentir novamente sobre o tronco e seus ramos a luz e o calor do sol. O outono apenas acontece quando acontece. De tempos em tempos, sem anúncio. O outono personifica uma indiferença que a árvore inveja. O outono não só prepara para o frio do inverno como aceita lhe abrir caminho. A árvore, não. Quer confiar no destino como quem confia que haverá, depois do outono e até do inverno de Camus, alguma primavera invencível.

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