Viver junto é um ato de coragem. Na prática, os atos de coragem são menos melífluos do que nos romances por escrito. Se os casamentos tivessem um Globo Repórter só para eles, poderíamos colaborar contando como o nosso vive e do que tem se alimentado: tempo e espaço. O tempo para os detritos e sedimentos se assentarem de novo no fundo de nós, subvertendo com calma a agitação confusa de não saber. E o espaço de nos reinventarmos para além de sermos um casal. Tática e estratégia de um teatro mágico: “Ser mais eu contigo / Para que me queiras”.
Será que um dia seremos tragados pelo excesso de massa como o buraco negro de nossos estômagos ansiosos pelo hambúrguer do domingo? Saudável, sim, quero ter saúde, mas o que é afinal que isso significa? Saudável como o alface murcho, rejeitado dentro da marmita quente e rápida da semana, pedido só pra cumprir tabela? Não. Prefiro enfiado no pão carne e queijo para umedecer o lanche ou fresco e picado, cheio de molhos e toppings. Quero lembrar que o nosso é um amor saudável escolhido a dedo no meio de um buffet gourmet, jamais esquálido. E quando algo indigesto nos voltar do estômago (eu sei, morar comigo é ter que lidar com nata demais), que a gente encontre de novo magnésias de esquecimento no fundo da bolsa, com gosto de uma cura amena que abrande as queimações de sermos dois inteiros aprendendo - ainda, sempre - a conviver, conversar e digerir.
Vou bendizer os dias de almoço e janta minimalista como a nossa decoração com o máximo de personalidade, amor. Estou sussurrando uma promessa daqui pra lá na tua boca adormecida tão perto da minha com um ar pesado: posso desaparecer? Ser sugada. Te invadir. Me misturar. Desaparecer. Não morrer, não. Não separar, não comprar cigarros e nunca mais voltar. Quero desaparecer um pouco. De novo. Dentro de ti. Nesse vão oco e morno que se estabelece a cada vez que abro a boca com um hálito de fome de qualquer coisa. Desaparecer. Um peso inteiro dos significados desta palavra que anuncia que, furtivamente como aconteceu pouco mais de quatro anos atrás, algo também pode sumir. Desaparecer um pouco - mas reaparecer do teu outro lado, brincadeira boba de criança que cutuca o ombro contrário já tendo atravessado por trás da vista.
Já que viver junto é um ato de coragem. E de confiança. E de humor. Só posso te prometer para os próximos quatro anos ser sempre um pouco mais corajosa e um pouco mais confiável. E bem humorada. Mignon com Alfredo ou mel com queijo, não importa. Somos uma combinação improvável. Que apetece o meu apetite. Dia depois de dia me comprometo a aprender a me saciar, descansar e contemplar. Ao teu lado, mas não só: de novo de frente pra ti.