O menino brincando sozinho, chutando uma bola contra um muro. A força com que o muro lhe devolve a sua própria força. No tempo do possível, educado, ele recolhe a bola pra que o carro passe, sabedor dos perigos do mais forte. Ferragens vidros e rodas contra menino, os ossos e a bola. Um pouco de ternura. Outro de comiseração. Na rádio, Ney Matogrosso cantando o que o professor da faculdade cantarolava pela primeira vez na frente daqueles slides quinze anos atrás: mirem-se no exemplo / daquelas mulheres / de Atenas.
Um dia haveremos de saber como se dá a evocação futura de um momento que parecia trivial. Este arranjo improvável de não-amnésias, até que a memória nos falhe.
Quando em vez os portais da cabeça se abrem para que determinadas coisas entrem e fiquem. E depois voltem. Noutras elas batem no muro do cotidiano repetido de outro dia, só mais uma semana.
Enquanto vive, a gente nunca sabe que está vivendo uma coisa à toa da qual vai se lembrar pelo resto da vida.