segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Imperdoável

Sinto mais esse impulso cruel de abraçar o teu corpo quente enquanto dormes e sei que o meu coração vai explodir se eu não fizer isso nunca mais. Me perdoa. Queria precipitar as pontas dos dedos com as unhas roídas e o esmalte claro e gasto no teu cabelo cortado mesmo tendo prometido que se você aceitasse dormir na cama eu não chegaria perto pra você descansar. Me perdoa. Queria colar o teu coração peça por peça com a minha saliva e as minhas lágrimas para que estivesse novo amanhã de manhã. Me perdoa. Eu tenho a impressão de que tudo que há pra ser dito já foi compreendido e ainda assim gostaria de te acordar sacudindo agora mesmo, aos prantos, pra implorar que me ouça mais uma vez, de novo do zero, pra quem sabe o resultado mude. Me perdoa. Joguei o macio de nós pela janela abaixo e só sobrou o áspero e os cacos de vidro pra amontoar sem proteção ao longo da semana. Me perdoa. Nenhuma autópsia alcança a morte da minha moral dura. Me perdoa. A tua bondade gigante derreteu inteira no fogo inconsequente do meu narcisismo. Me perdoa. Desejo sofrer todos os juramentos quebrados pelos dois para que não endureças por uma culpa não tida. Me perdoa. Não há nada que eu diga capaz de justificar o sangue e a pólvora que agora se impregnam nas minhas mãos que mataram nossos planos mais bonitos. Me perdoa. Nenhuma cirurgia vai ser capaz de remover a minha expansividade contrastando com a tua introspecção, mas se eu pudesse, eu transplantava pra mim esse teu encolhimento de depois das explicações que nos exigirão. Me perdoa. Tenho raiva de mim pelo teu comportamento ser tão íntegro e eu não ter continuado a carregar ele com todas as faixas de cuidado frágil, depois derrubado e tropeçado nele com os sapatos de salto. Me perdoa. Estou rasgada de cima a baixo em tiras muito finas e ainda parecem cortes pequenos perto do que seria justo que eu estivesse sentindo. Me perdoa. Nublei um furacão em cima das nossas cabeças e ele tocou o continente chegando nessa tarde de inverno. Me perdoa. Tranquei a porta desse dilema e atirei a chave aos porcos, no lixo, no lodo. Me perdoa. Você prometeu a escolha mais consciente e eu não mereci. Me perdoa. Eu te fiz supor que levei sempre com a barriga. Me perdoa. Eu tardei, falhei, escondi. Faz isso por ti, por mim, pelo que costumávamos ser: não, não me perdoa.