segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Firewalking

Na noite fria, aquecimento. Minha barriga é ensinada a procurar as tuas costas para conciliar que os órgãos não sofram da perda de temperatura ao serem virados para a janela que certamente por detrás desta cortina está suada do inverno que fez de novo lá fora. Vou aninhando a cabeça no vão entre o meu e o teu travesseiro. Não sei exatamente o que fazer com o braço de baixo nesta posição de bruços improvisada - mas sei que continuar amando é sobre querer encaixar ou ignorar o que precisa ser feito a dois com as faltas e com as sobras. O meu ombro sente. O corpo inteiro, também. Tenho muito sono. As minhas forças se exaurem na energia requerida por buscar, puxar com as duas mãos e domar estes nossos alinhamentos de agora.
Mais cedo cozinhamos de novo cada dúvida - temperada com sal a (teu) gosto. Monitorei cuidadosa as panelas. Eu sei que o mesmo forno que assa bem pode torrar esse porquinho - resisto a dizer: porquito - marinado, que finalizamos com o barbecue buscado na corrida contra o tempo do caixa para satisfazer o tamanho do meu desejo. Depois elogiamos as batatas - pegaram bastante o gosto do limão - e fizemos um comentário espirituoso ou dois sobre o volume que o arroz, esta comida universal, faz em todo estômago. São referências do que realmente sustenta.
Sorrio bebendo a cerveja morna contra esta tarde de sol como se ainda ontem não tivéssemos tido madrugada. Distraída, não vi converterem o pênalti. Nos derradeiros me aproximei do alambrado, para garantir que não perderia mais nada. Perdemos. Mais tarde exigirás de novo sejam medidos (com termômetro ou placar?) os teus prejuízos. Não posso devo nem quero reclamar dos meus. Como, porém, eu vou te abrandar, indenizar, amornar, compensar a contento, na medida exata, sem te consumir ou me apagar? Água e fogo, tu dizias por escrito. Água e fogo - e os seus ajustes.
Acordei hoje e meus pés estão cheios de bolhas de apreender o calor deste caminho de volta, todo pavimentado de brasas. Quanto tempo levaremos para ajustar de novo a condução e a retenção que exigem esta caminhada em dupla? Se quando é extremo, queima. Se quando é lento, queima. Se quando estendemos o braço nos demoramos, fingimos que não, e estamos de pé, de mãos dadas, um à frente do outro, já nos queimando de novo. A pele fina das solas me arde, lancinando pior do que cacos de vidro. Sentes, em igual proporção, outra categoria desta mesma dor de queimadura. Eu peço que me mostre. Te assopro. Falta um pouco de fôlego. É o tempo destes calos que vai recompor a pele nova.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Cativo [8]

A kalanchoe que refloriu
sem rega
Me soprou ontem um segredo
sobre dar valor
a qualquer coisa que se mantenha
                           (viva ma-
dura e certa)
entre a pouca terra seca
E um punhado de negligência

Trouxe à mesa
para colorir
Simbólica
alumiada por velinhas
Cintiladas
por tecnologia USB
El día del reset
- nossa nova
Saona
Sabor de
ricota, linguiça e espinafre
Frisada no doce alcoólico da
Sobremesa

Estou disposta, amor
Estou disposta
A ti, às mãos e massagens
- no ego e no corpo -
que demandem a energia
que transfunda
as mágoas
e os gozos
para fora
e para dentro

Essa flor que flore
Colore de vermelho
a maturidade de ser de novo
Adulta
tradicionalmente
Inteira
(re)Integrada a ti
Com cola nova e
Redecorada

Repito de novo
o quê; quando; e como
essa massa ao pomodoro
quantas vezes mais
quiseres em
quanto agradeço
Limpando os beiços
Teres me acordado 
                (e buscado)
de volta,
ainda que pelos cabelos, para
amanhecer outra vez
amassada, ao teu lado.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Talabarte

O peso que sustenta o teu corpo é o mesmo da força que subjuga e faz tensão entre as classes. Cordas te amarram cautelosamente a este cinto-parafernalha inventado de ancorar. Enquanto eu só reclamo de mais um prazo ou telefonema ou atendimento sem marcar tu cantarolas faceiro It’s my life em coro com eles, pela quinta vez só o refrão, em alguma língua entre o grego e fonemas em mastigação. Tua alegria não se ensina em curso de idiomas. Esta simplicidade se perde ambiciosa na primeira casa de dezena de milhar. Teus cotovelos estão suspensos fazendo subir, descer, desempenar os barulhos raspados ritmados contra o concreto. Os meus fincados nessa mesa comprida de empilhar pastas, canetas, atestados, anos e anos e cálculos e toda sorte de documentos. Não desvio da rota. Caminho equilibrando entre as pedras. Tu tens os pés arrasados no chão ou voando soltos no ar. Eu te dirijo o bom dia toda manhã dessa obra interminável, então ao despedir tu me dizes: tchau, bom descanso. É o que também te desejo. Quero encurtar a distância, desde que sem margem para má interpretação. Mas temo que tenha pouco apelo te explicar que a casa da minha infância também não tinha TV a cabo. Que eu conheci a valsa que dançam as parcelas e os agiotas. Que eu também tenho roído as unhas. Que eu também sou versada em todos os sertanejos antigos com ênfase em Decida, do Milionário e José Rico. Que eu também tatuei o rosto esta manhã - à noite, porém, eu tiro com algodão. Que eu também já dividi apartamento com uma amiga para com isso dividir os custos e a companhia. Mas não estou dependurada agora - e esta anti-gravidade econômica se impõe silenciosa entre nós. Se careces de outros luxos, recorda ao menos: o sol vai embora, tu vais. Eu sempre fico. Tu precisas de luz natural para obrar. A mim uma fluorescente basta. Tu no talabarte do lado de fora. Eu tão dentro. Estamos movendo o mundo a construir - prédios e futuros.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Feijão com arroz

Encho a boca
como quem diz sim
Não sei mais nem um não
Enquanto encaixo essa colher
Na minha mão.

Me satisfaz o dobro
Cada grão.
A comida caseira
é temperada de fome de chance
De que, de todas as fomes,
Justo esta
mais primitiva
decida (por nós)
por saciar-se no estômago
de sabor já conhecido
E preferido.

Os pretos e brancos
Deitam servidos
contrastando de saber
De escuros e claros 
- que se mesclam e confundem -
Com as luzes e as sombras
De dentro
Das substâncias
destas panelas transparentes
que transportamos para o quarto

Acesos
Preparados
em fogo vivo
E postos à mesa
Dentro de onde estão estampados
corações

Feijão com arroz
que sustenta
Essa vontade de ficar 
- e de pedir para ficar -
dentro
Inteiros
Criando energia
Com e para o que, de fato,
enche barriga.

sábado, 17 de agosto de 2024

Oitava maior

5a.

Meu peito está descascando. Cada farelo desaba um hábito diário perdido. Ontem saíram as rosquinhas do trato com a diarista e a casa toda escura da noite na minha chegada. Hoje a pele que me sai é a do placar do jogo de mais cedo. Repito: gostaria de meditar a saída. Uma ideia providencial que recompusesse essa partezinha fina da derme que torrou muito e sem proteção, avermelhou e ardeu no sol dessa dúvida. Seria o caso de hidratar um silêncio nesse peito para ver se a cútis regenera e me ensina qualquer coisa que eu possa aprender? Ainda ocupo o mesmo lado da cama. Se quero abrir, tenho que abrir. Se quero apagar, tenho que apagar. Buscar a água. As coisas de ontem à noite ficaram onde eu as deixei. Essa casa é só metade e, mesmo eu tendo provocado essa circunstância, a falta esbarra no mofinho do teto de todos os cômodos que hoje não foram abertos.

***


O primeiro minuto da manhã acordada é um dos piores. Meu despertador não dá conta da minha vontade de voltar a dormir - de preferência o dia todo, porque em sonho nada mudou e não preciso pensar, remoer, martirizar, decidir. A impressão de que vou perder a hora de levantar porque só os meus alarmes estão ativos e agora sou a única pessoa que amanhece zelando por mim amedronta. A ideia de que não dividiremos mais a preguiça de virar para lá e para cá muitas vezes com os corpos em parêntese aberto aberto ou fechado fechado, também. Essa mesma rotina que esmagou muitas doçuras precisaria, de qualquer modo, de uma reinvenção. Qual sou capaz e quero fazer? Preciso ser franca comigo. Agora não tem ninguém para eu educar a começar as atividades do dia com o exemplo e eu não levanto mais “primeiro” - eu levanto “ou não”. Ontem cheguei cedo e tinha uma ponta de paz a ser puxada no silêncio absoluto. Mas logo foram ditas coisas duras - entre as quais, a de que eu sou dura. Logo eu, que me sinto decompondo. Essa espiral de medo, amor, pavor e indignação me arrasta muito rápido para uma culpa circular sem fim, centrípeta, que me cega acordada. Seria melhor lidar com os sentimentos em doses: primeiro um, de uma cor, limpo, num frasco. O outro ao lado, isolado, em outro frasco. O outro etiquetado em recipiente bem vedado, nele escrito Remorso, cuidado para não extravasar. Todos paralelos. No fim um gráfico - que possibilitasse medir o saldo e chegar ao resultado dessa equação de quinta. Mas meu amor e minhas amarguras estão todos muito unidos, como quando as crianças juntam todas as massinhas de modelar e fazem uma grande bola. Que acordou grudada como durepox na boca do meu estômago. E cuja densidade não cabe na exatidão da matemática.

***


Cuidar de mim como se só eu pudesse. Organizar de fora para dentro. Fazer de novo a cama, criando um ritual. Guardar dobrado o pijama. Conferir se as toalhas finalmente secaram e dar a isso um grau de importância. Recolher as últimas roupas de verão do varal nesse inverno com sol. Varrer ou aspirar a sacada. Costurar paciente a alça do vestido de bolinhas com linha preta, como quem é capaz de costurar o coração que rompeu e desistiu de funcionar. Finalmente tirar o esmalte desbotado amarelado descascado das unhas roídas da mão e usar um alicate para aparar todos os cantos arrepiados que não suporto mais puxar com os dentes e deixar em carne viva. Não desistir de curar e não prezar por doer. Encarar o fundo dos poros dos cravos espremidos do rosto inflamando sem ter mais muito o que fazer com as marcas. Lamentar que a estratégia de cortar na carne para eliminar o fungo do dedão do pé aparentemente não tenha funcionado. Providência: cortar ainda mais na carne e acreditar que agora sim. Lavar as mãos para que a água sagrada da pia assepsie a possibilidade de outro dia um pouco mais limpo de autodepreciação ou autocomiseração. Reciclar os pãezinhos endurecidos na sanduicheira com manteiga como quem firma o compromisso de não desistir de se manter alimentada e viva. Comer tomando chá. Lembrar da calma doce de um stroopwafel. Exaurir o sono da acordada durante a noite em bocejos. Reinventar um calendário solar no qual os dias passem iluminados e nas noites haja menos vontade de sumir. Encarar no espelho a palavra escolha ouvida em repetição e tatuada na testa do imaginário. Respeitar o tempo

 que tudo leva. Torcer por ser prática cruel viva alegre só não refém da vida - esta coisinha inteiramente suscetível às bençãos e maldições da chance e possibilidade de mudar de ideia de uma hora para outra. Ter que lidar com isso.

***


Nas encruzilhadas, não são vistos os dois caminhos. Deve-se procurar com o faro. Antes de atravessar a bifurcação não se vê quase nada. Depois, tudo eram sinais. Como o corpo sangrando escuro pelo menos dez dias antes do tempo. Não, antes: a pergunta certeira que não possibilitou negativa, mas cuja resposta também não era a raiz de toda a verdade. O questionamento remoído cuidadoso, sem margem para fugir, que amaldiçoarei por ter me desvelado e do qual me lembrarei por toda a minha vida, especialmente pelo tempo que tardei. Não, antes: o pacote de dados do voo de volta. Não, antes: trocar de bolsa de praia e esquecer de por nela o cartão-chave do quarto. Ali já devia saber, mas não fui capaz. Não, antes: inventei de tirar o dia para ler. Coisa perigosa de se fazer, eu devia imaginar, mas não fui capaz. Ler pode dar uma epifania ou duas - levar às lágrimas ou às gargalhadas. No meu caso, às duas coisas. E à escuta atenta de uma comunicação do que gritava o peito. Não, antes: sonhar que se conheciam e acordar perturbada, sedenta pelo Elogio da Loucura do Rotterdam até amanhecer. Se Murphy tinha algo a me ensinar, convinha que não o fizesse tudo num dia só e numa ilha cuja pedra azul clara convoca a uma obrigação quase coercitiva de só amar, ser feliz e solar. E me constranjo ainda mais de, num mar lindo de coisas tão certas, quem sabe ter me detido nas erradas para decidir. Não, antes: adiar a transferência pelo alto valor dos encargos e com ele tentar resgatar as paixões - muito antes de assegurar o patrimônio - porque era destas, e só destas, que esta casa deveria ser feita. Mas o amor não assina a carteira. Não faz fundo de garantia. Só deposita décimas e terceiras expectativas. Cria um vínculo, sim, cria um vínculo, mas que às vezes se desfaz com avisos prévios de apenas trinta dias. Que são cantados em voz muito baixa e cheia de lágrimas enquanto se toma banho para limpar a sujeira dos pensamentos. Devo rebobinar, em silêncio, a fita dessa história sem final feliz.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Eco [30]


Uma semana antes, Laura me convencia a fazer snorkeling pela primeira vez. Vem, ela disse. Não tens curiosidade? Vai ser bom. Eu não queria descer da lancha, mas fui impelido de vontade pela força motriz da língua dela movendo o convite molhado entre os dentes. Sob pretextos sanitários, não nos deram o tubo de encaixar na boca - apenas os óculos. Resisti ao medo de me afogar e fui. Não nado bem, só bóio e mal. E não me é intuitivo o conjunto desses comandos coordenados: esqueça que tem um nariz, levante e desça quando os pulmões exigirem e permitirem, mantenha os olhos bem abertos e curiosos. Ainda assim, ou talvez por isso, o desconhecido de qualquer profundeza viva abaixo do nível do mar é pra mim uma das coisas mais bonitas de todas da natureza. Os peixes, que zanzam onde quiserem. As estrelas, que coincidem e conectam no mar um céu. Os recifes, que azulam-esverdeiam e translucidam a água. O calor tropical incidindo sobre as outras coisas. Já que a isso eu me dispus, queria ver conhecer tudo ao máximo, explorar me deter compreender ter clareza. Mergulhar a fronte da cabeça, com a água na altura do meu peito, pra deixar a visão inteiramente atenta. Ver os pés. Perto deles, uma fauna. Eu achei que usar um snorkel fosse assim, mas pra mim não foi exatamente. Além do controle da respiração, é necessária uma procura ostensiva. Uma atenção demasiado detida. Um vencer o medo da água salgada - que é tanta - entrar pra cegar as lentes de contato. Uma certa proximidade do desconhecido. E uma sorte se houver encontro e ele for agradável. Eu queria ter só clareza, mas acabou que pra mim foi tudo meio turvo, bom, mas turvo. Enxerguei só duas estrelas: fincadas no fundo da areia, numa distância aquática cúbica uma da outra. Distantes, mas ainda iguais. Como se tratadas por taxidermia. Embaixo d'água, em intervalos de poucos segundos a cada submersão para tomar ar, eu me perguntei como se movimentariam e para onde. Com que velocidade. Como acasalariam e se reproduziriam. Sobretudo como e se durariam paradas no mesmo lugar de sempre. E como eu não pisaria em nenhuma, se quisesse caminhar para honrar os meus caprichos? Respirei fundo, depois, e fiz poema:

Depois de um mar,
secamos.
Mantivemos secos
porque um pouco loucos
quase todo o tempo
Esses dois de nós
lavando tudo a limpo
Que de um lado dizem: não não não
por isso isso e isso
E do outro dizem: pensa pensa pensa,
meu bem,
na chance disso disso e disso.

Tateando com os pés
uma praticidade inventada
De já se supor mais racional
- pronto e claro -
do que se está
Neste exato momento,
em que tudo ainda é
tão 
d o l o r o s a m e n t e
turvo.

Depois o abraço
a barba que cresceu calculada
o pescoço
os narizes
o hálito
os encaixes
e as mãos
em proximidade finalmente visceral,
bronzeadamente coordenada
e assombrosamente latina.

Uma concha quente
um pouco apaziguados
relembrando antes do furacão
- e emprestando,
para esta espécie de cura,
ainda que com novos cheiros
o mesmo conhecido calor do corpo
Que há de ser sempre o mesmo corpo
Que um dia escolheu ser só do outro

Depois sujamos mais dessa água que nos rodeia
ao nos atravessarmos
ainda sangrando
- em corpo, dor e dúvida -
Nessa vontade de ver:
através
o que virá
Nessa necessidade de respirar:
o ar de deixar vivo
só não sei quando
Depois?

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Imperdoável

Sinto mais esse impulso cruel de abraçar o teu corpo quente enquanto dormes e sei que o meu coração vai explodir se eu não fizer isso nunca mais. Me perdoa. Queria precipitar as pontas dos dedos com as unhas roídas e o esmalte claro e gasto no teu cabelo cortado mesmo tendo prometido que se você aceitasse dormir na cama eu não chegaria perto pra você descansar. Me perdoa. Queria colar o teu coração peça por peça com a minha saliva e as minhas lágrimas para que estivesse novo amanhã de manhã. Me perdoa. Eu tenho a impressão de que tudo que há pra ser dito já foi compreendido e ainda assim gostaria de te acordar sacudindo agora mesmo, aos prantos, pra implorar que me ouça mais uma vez, de novo do zero, pra quem sabe o resultado mude. Me perdoa. Joguei o macio de nós pela janela abaixo e só sobrou o áspero e os cacos de vidro pra amontoar sem proteção ao longo da semana. Me perdoa. Nenhuma autópsia alcança a morte da minha moral dura. Me perdoa. A tua bondade gigante derreteu inteira no fogo inconsequente do meu narcisismo. Me perdoa. Desejo sofrer todos os juramentos quebrados pelos dois para que não endureças por uma culpa não tida. Me perdoa. Não há nada que eu diga capaz de justificar o sangue e a pólvora que agora se impregnam nas minhas mãos que mataram nossos planos mais bonitos. Me perdoa. Nenhuma cirurgia vai ser capaz de remover a minha expansividade contrastando com a tua introspecção, mas se eu pudesse, eu transplantava pra mim esse teu encolhimento de depois das explicações que nos exigirão. Me perdoa. Tenho raiva de mim pelo teu comportamento ser tão íntegro e eu não ter continuado a carregar ele com todas as faixas de cuidado frágil, depois derrubado e tropeçado nele com os sapatos de salto. Me perdoa. Estou rasgada de cima a baixo em tiras muito finas e ainda parecem cortes pequenos perto do que seria justo que eu estivesse sentindo. Me perdoa. Nublei um furacão em cima das nossas cabeças e ele tocou o continente chegando nessa tarde de inverno. Me perdoa. Tranquei a porta desse dilema e atirei a chave aos porcos, no lixo, no lodo. Me perdoa. Você prometeu a escolha mais consciente e eu não mereci. Me perdoa. Eu te fiz supor que levei sempre com a barriga. Me perdoa. Eu tardei, falhei, escondi. Faz isso por ti, por mim, pelo que costumávamos ser: não, não me perdoa.