domingo, 16 de fevereiro de 2025

Cativo [12]

Decorei o caminho daquelas duas cicatrizes pequenas no peito, na ida do tórax ao ombro pela tua esquerda, que agora parecem marcas de bala ou vacina. Foram estilhaços de vidro que se atiraram contra ti, mas podiam ser marcas da guerra ou imunidade. Ficaram pra sempre os sinais que - ainda bem - já não sentes. Só eu sei de tão perto. O meu indicador percorre o teu pescoço quente e se arrasta em ponta nas mini queloides dessensibilizadas. O baixo relevo me faz uma cócega de não rir, só repetir, em braile: quero ser a sua pessoa. É mesmo, acho que nunca tínhamos feito essa promessa antes. Quero ser a sua pessoa, exagerar no afeto e na proteção, não saber a hora de ir embora, estar melhor para dirigir, falar baixo, guardar os teus segredos como preciosidades e não contá-los a mais ninguém. Edificar trincheiras para te isolar dos meus inimigos imaginários. A grandeza do que nos aconteceu ontem é de uma delicadeza de seda fina sobre o corpo, amor. O toque é tão leve que quase quero vestir essa carapuça por conta própria, como carrasca. Põe essa meia de novo na mão - que eu beijo e tens ciúmes como se o fantoche fosse uma entidade autônoma, e aí te encosto o nariz na bochecha molhada de lágrima até adormecermos, não sem antes conversar por meia hora com esse outro fragmento de ti que diz as coisas mais bobas e boas com uma voz estridente para me acalmar aquela dor de barriga. Para que eu não doa. Para que as marcas de dor sejam esquecidas por baixo da camiseta ou da camisola. Para que sejamos, por favor, para sempre e agora sem interrupções, as nossas pessoas.