domingo, 19 de janeiro de 2025

Rosa

Enquanto estou num Resort, penso sempre que é uma vida a que eu me acostumaria fácil. É isso que te ocorre todo dia? É isso que te faz escalar as impressões dos outros para se sentir bela vista e considerada? O que justifica a tua tentativa de não se deixar conhecer na sombra para parecer sempre mais elevada, proeminente, asséptica, ilibada do que à luz. Mais inibida e nobre que a nossa mãe e seus deslizes de retórica.
Materializa-se em ti e na tua fé um substrato muito preciso do desamparo da humanidade, que é o desejo de descobrir quanto, de onde e por quê. Mas acho que tanta crença não basta para seres feliz. Devias te concentrar em como e para onde. Pois sincretismo nenhum tem te salvado dessa gana de ser acolhida, validada e jamais preterida. Ia escrever de ser vítima, mas aí você ia emburrar, fazer greve de resposta e ainda achar que tem razão. Depois voltar como se nada tivesse acontecido, pedindo ou enviando uma amenidade como se os silêncios tivessem te feito evitar ou vencer o conflito. Te acolhe primeiro e vais ver que isso tudo é bobagem.
Quando saio de um Resort, logo depois de fazer o check-out eu prontamente me lembro de onde saí. É urgente este trânsito, deve funcionar como um botão de automática reconciliação com a frantumaglia menos afortunada de onde viemos. Experimenta (te dou conselhos como se soubesse mais, não sabendo) enxergar a história atrás de ti como uma porta - que se pode fechar com força, num estampido, ou deixar aberta para que o antes, o depois e o então circulem livremente sem nos fazer um mal determinista. Em paz com os farelos que grudam no caminhante - as farpas, os vinténs, uns poucos glitteres, as conjugações imperfeitas e letras de sobra.
Só não te esquece que ter filhos implica iniciar uma nova linhagem - que, entretanto, não se rompe daquela da qual viemos. E que merda de pai foste escolher. Que vergonha, minha irmã. Ele ainda se mete a galã. Não vou suportar outro comentário pérfido do Senhor dos Deboches e ainda assim, por ti, vou suportar sim, mas em doses breves e espaçadas, como um remédio amargo, evitando o convívio o quanto puder para que o tecido de nossos encontros não se desgaste ou embolote ou rompa as costuras de vez.
Posso estar errando no julgamento. Posso estar cega para o quanto se parecem. Mas é que em certa perspectiva te admito muito. A minha redenção vem dessa coragem de errar. De não se levar a sério. De deixar que os outros errem, em público, sem julgá-los tanto, porque o que vai sentimos sempre voltar, como onda. Tocar o grosso do erro - como para dar sorte. Para que se possa ver o que há por baixo. Como nas estátuas em que fica polida apenas a parte em que, por superstição, o visitante toca porque lhe deram a dica. As bolas, os peitos, os chifres, o queixo. São amplas as possibilidades. De erro e de acerto. Talvez não precisemos nos deter tanto neles. Quem sabe a vida seja oscilar entre o Resort, de onde viemos e para onde voltaremos. Tenta te lembrar que as coisas por trás das coisas estão lá por algum motivo. E não deve ser para que tentemos adivinhá-las, supô-las ou inventá-las. Se se revelarem, bom. Se se mantiverem encobertas, por favor, te esforça em deixar para lá.