quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Orquídea

Se posso te dizer, meus anos não se atrasam por esse botox que finalmente renovei na segunda. 41 unidades. Tu cada vez mais harmoniosa (sic). Eu envelhecendo. Minto mal para mim mesma, porque sei o que o tempo andou me fazendo. Tanto, que no entanto não tenho força nem disposição para pagar mais para negar os sinais com menor periodicidade. E encuco com os efeitos de longo prazo, dá pra crer? Como se a pele fosse esticar, acostumar, esquecer como ser nova por conta própria. A cada poucos meses, os vincos do espanto e da brabeza voltam viscerosos à minha testa desidratada. Dura menos que os seis que me prometeram. Pelo menos ainda não tenho marcas de sorrir. Quer dizer, isso é bom? Me assusta um pouco - só não mais porque aí a ruga de assustada afunda outro centímetro. Os músculos me desdeformam com a pressa de ser expressiva. Percebe? Com a pressa de me expressar sinceramente (eu que acho que nunca soube ao certo como conter as sobrancelhas), fico um pouco a folha ofício que já foi barco de papel - em tempo de expedição às Índias.
Também não há meio dos cravos me abandonarem o nariz. Esfoliante-químico-de-cu-é-rola. Estou dizendo isso batendo a palma de uma mão no soquinho em forma de segurar sorvete da outra, que é pra te assustar com meus maus modos. Tenho as manchas que começam a despontar marrom médio no alto da maçã do rosto (será melasma ou luz artificial?). Aquela faixa tímida de pelos finos que simulam costeletas. Enrubesço de pensar que os pelos me acentuam a boca acinzentados quando menos espero, alternando lugar com os pequenos pontos inflamados que cravejam meu lugar favorito de espremer: o queixo (atualmente mais assimétrico por uma espinha interna) e ao redor da boca (sempre ela). São sinais claros de que o controle não está comigo - passa perto do retrogosto de privilégio, mas comigo mesmo não está.
Sinto que a vida passa ligeira. Em dias úteis. No máximo 15 por vez. Muitos de 15 por vez. Quem foi que te ensinou que ser prosperada fazia sentido? De onde vem tua coragem, o teu conforto e a tua incúria? Eu sei. Minhas rugas sabem. Personificam tua lisura em contraste.
Em notas mais ou menos relacionadas: vão acabar com os filtros do Instagram. Daqui a um tempo nós olharemos abismados fotos de gerações granuladas com lábios grossos demais, narizes finos de menos, pele sem textura e a bochecha que acorda e dorme corada. Nesse comparativo certamente vou me parecer ainda mais ladeira abaixo - para não entrar no mérito da minha barriga tendida a crescer e desbarrancar mais se eu tiver menino. Alarguem ou não meus quadris em formato de tanajura, vou lembrar por décadas da cara de quem já viu um pobre ascender quando falei em silicone.
Viu? Pra empatizar com as tuas inseguranças tive que falar das minhas, e isso na tua presença eu sou contra. Amanhã vou vestir azul, azulzão. Você adora, né? Por trás das camadas finas de discrição, escorre das tuas fendas uma necessidade de se provar distinta. Quero dizer distinta da palavra e da ação da distinção, que abomino. Eu sou mais feliz descalça no sol ou de chinelo. Minha bandeira é ser medíocre e natural enquanto a tua cara, preenchidésima, completa o pescoço desse monstro imaginário que acordou deitado em cima da minha caixa torácica no pesadelo de hoje, dizendo: auf wiedersehen, logo logo tem mais.