terça-feira, 15 de setembro de 2020

Lacônico

Queria acender um cigarro no teu peito. Sei que nada disso faz sentido. Foram também as melhores palavras que encontrei. Queria experimentar a vida pelo filtro dessa pequena subversão que beira o impossível. Provar um pouco de rebeldia, mas sem o ônus que ela implica. Transmudar contigo os meus desejos. Alguns obscenos, outros nem tanto. Me avisa se for pedir demais. Porque, eu juro, hoje queria acender um cigarro no teu peito. Encostando-o no meio do tórax depois de fazer duas ou três perguntas, num exercício de imaginação. Sentir a ponta queimar. Sentir o gosto amargo impregnando a língua. Depois a tontura da primeira tragada. A calmaria de estar ocupando de alguma forma o espaço do que fica preso entre o cérebro e a boca pelo trato respiratório. Afastar, para longe, a lucidez de estar acordada, de barriga pra cima, olhando esse teto branco, em silêncio. Esse instante quase protocolar em que não há muito o que dizer, no qual a gente se dá conta de ser absurdamente solitário. Queria baixar a pressão. Saber que não é viagem minha. Que não parece loucura. Que tá tudo bem. Queria nos descomprimir dessa obrigação de saber o que estamos fazendo. Queria nos descomparar. E só intoxicar o corpo, num movimento repetitivo e lacônico: levar a mão à boca, inspirar com os olhos semicerrados. Aproveitar a quietude. Afastar devagar. Expelir o que sobrou, eventualmente em voz alta. Tudo durando uns quatro segundos ou menos. Eu comigo. Esse pequeno prazer impensado. Se penso bem a respeito, acho que começo a entender. Queimo cada vez mais pra dentro. Queria enxergar que você queima também, pra parecer contigo. Me desculpe ser tão má. Ser tão invasiva. Chegar assim, pedindo uma coisa dessa. Desculpe se eu ainda não desaprendi a cair matando em terra devastada. Queria saber dizer, enquanto me visto, que se eu confesso que queria é porque se eu não acender um cigarro no teu peito agora mesmo vai chegar pra mim um momento terrível. Vou me perder de novo pra esse oco, essa bad, esse pensamento distante que, quem sabe, um cigarro aceso no teu peito pudesse aplacar. Ou pelo menos acompanhar. Pra me esquecer que eu ainda faço as mesmas piadas que terminam em beijos e os mesmos dramas pelos quais me envergonho logo depois. Que eu ainda choro sem conseguir explicar o motivo e ainda gosto de dirigir sozinha com a janela toda aberta como quando tinha à disposição a tua companhia. Que eu ainda tenho a mesma cabeça confusa, um pouco histérica, sempre potencialmente entediada. Um pouco sumiço sem aviso. Mas hoje eu só queria poder acender um cigarro no caos do teu peito pra distrair o meu.

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