quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Virtuosos e plásticos

A uma garrafa e meia de altura, tens um riso slow motion ao ser flagrado elogiando a roupa que eu não tô vestindo. Queria te fazer prometer que a tua memória de mim vai morar ao lado do lugar da tua cabeça de onde sai uma informação desconexa, verdadeira, totalmente inapropriada e doce, como essa. Queria ser gravada na tua memória com o tom que usas pra chamar músicos de virtuosos e plásticos. Porque eu me perco e me encontro é nesses detalhes. Eu me perco em ti é quando me detenho nesses teus detalhes. Eu me perco é me perguntando como podes ser tão preciso em determinadas coisas, com as palavras mais adequadas de todas, e tão absolutamente vago e raso em outras. Pelo menos nessa noite eu te tenho de novo ao alcance da mão. E dos braços. E do resto. A despeito dos surtos e da má vontade. Quase esquecendo que eu quero estar perto em desatino e tu de outra forma, bastante mais amena, bastante menos pensada, bastante mais let it happen do que fazer acontecer, bastante mais uma garrafa e meia depois. E enquanto pedes uma desculpa ou duas eu te faço garantir que ainda dura madrugada adentro. E dura. A gente sempre dura pelo menos madrugada adentro. É neste tempo e neste espaço, aliás, onde a gente mais cabe e dura: na cama, madrugada adentro. Então te tinto, e dizes: cor-de-brasa, e depois ris, e depois fazes parecer que foi necessário implorar, e eu acho graça desse teatro todo que se organiza em volta da cena, como que invertendo os papéis. Aqui dentro não tenho medo. Nem juízo. E nem preciso ter. Aqui dentro também não precisas insistir mas, se preferires, a gente pode encenar que sim. Teus títulos de nobreza não passam pela minha porta. Vens sempre cru e disposto e sussurrando qualquer coisa numa frase que tem um depois: semana que vem. Finjo que não ouço mas é também por isso que, aqui dentro, eu não duvido de mim. E nem de nada. E quando me perguntas o que eu quero que faças comigo e eu sei exatamente o que quero responder, ainda assim posso ficar em silêncio. Vais saber. Meu corpo vai responder. Vou querer tudo, muitas vezes, incluso o que acabas de sugerir me provocando sem dizer uma palavra. Qualquer coisa contigo, aqui dentro, eu quero. De repente me derreter em movimentos circulares. Aqui dentro quero te entregar logo até o último canto. Como quem não sabe que vai precisar isolar mais esse momento numa cápsula mental logo depois. Sim, eu sei, sabemos, amanhã de manhã vou precisar saber de novo separar quem nós somos aqui do que não faremos à luz do dia. Separar este momento de todos os outros, fora deste quarto, com os quais o primeiro não se confunde, e nos quais é mesmo melhor ser um pouco menos intensa. Amanhã de manhã reúno de novo as forças necessárias pra dissociar os virtuosos que nós somos nesse showzinho particular dos que somos lá fora - onde, provavelmente, o mais apropriado é performar o não-querer-tanto-assim e ser tão prática e plástica quanto puder.

Nenhum comentário: