Presta atenção nesta história
de assombração
latina e boa demais
pra não ser contada
Pensei até arriscar um
Cordel, e
Tava com a
Xilogravura
Já encomendada.
Desisti.
Foi por chapéu de palha
E não de cangaceiro
Que eu fui criada
Mais ao sul do Equador preferimos
À crueza dos livrinhos
de folha fina com capa
A tradição oral
bem contada.
***
Para cirandar nos tempos,
Uma cerveja e outras
E já que em sábados de festa ficamos todos alegres
Eu provoquei a tia,
já meio embriagada,
só pra ver do que ela ainda se lembrava:
— Ô, tia, e aquela história do Fantasma
do Vô Pedro,
hein?
Ela acendeu olhos bem verdes
crente
de que há muito eu sabia de quase tudo mas
Animada
de poder contribuir nem que com dez centavos
pro debate em público debaixo
da nossa árvore genealógica:
— O que eu sei é
o que me contaram.
Pois era isso mesmo que eu queria
ouvir contar
de novo, de preferência
bebendo
e de outra fonte,
Cada história destas
merece em voz alta cem vezes ser recontada
para que em cada uma
um aumente um ponto
à margem da falta de memória
registrada
e em três vias nos
Cartórios da Capital
passada.
É que esta história é o fino
do que a gente herdou mas
por dentro.
— Era uma pessoa que ao mesmo
tempo que tinha, não tinha
as coisas.
Isso ela repetiu quatro vezes
enquanto contava,
que é pra que a gente
botasse as vírgulas
podendo supor
Se o que queria dizer
é que é de família a nossa
Inconstância ou
Generosidade ou então o
Mau tino
pros negócios,
talvez até
um pouco de cada
Eu acho sinceramente que é
isto e aquilo
tudo o que ela acha.
Ficou no ar
como ficou o Vô Pedro no fim:
— Era uma pessoa que ao mesmo tempo
que tinha, já não tinha mais
as coisas
materiais, eu suponho
que os melhores de nós somos assim
Desapegados mesmo.
A julgar por todos os homens que vieram
depois que eu conheci esta história
Dele,
Eu imagino o biso Pedro um João
meio Grilo, fico
rico, fico
pobre,
As sobrancelhas bem grossas
Pele de pardo pra mais
Cor de catuto que
empalidece sem sol
e isso é raro
As mãos ressecadas nas juntas
e isso é sempre
Meio magro;
A perna de varde que balança sem cansar
naquela ansiedade de estar
Sentado,
existindo
Igual ainda fazem o pai
e o pai do pai, filho dele,
Bigode farto e bem pretinho.
Como o meu vô
quando era novo
e eu vi de foto.
— Teve Mulher e uma dúzia de Filho,
até que um dia teve também um
Tumor
Na época era assim
que chamava o
Câncer.
Aqui não tinha tratamento
E ele saiu, como às vezes saía por aí
meio espaventado que era, dessa vez
Só se soube pra onde
Semanas depois
Quando venceu a promissória
e o agiota veio dar a notícia:
Foi pra Floripa, dona Dora, disse que ia
ver se talvez não tinha
o que fazer com
o Tumor.
Disse a
Ninguém
que se importava com ou
mandava nele, ele só
Foi
Quem ficou que adivinhasse
Por quê e
Para onde.
— Diz que internou no hospital se dizendo
Indigente,
Abriram-lhe a cabeça
Morreu na operação
E deu o maior do trabalho pros filhos
Que zarparam para lá com ainda mais dinheiro emprestado a juro e ainda tiveram que lidar depois
com a assombração ou
O trauma
Ver o Pai Pedro deles
que deu entrada como
Indigente de propósito
Todo aberto e
espetado pelo queixo no teto do
Hospital
— Ou é assim que eu imagino,
é só o que me contaram.
Escoava o sangue que não era útil para os
Estudantes, para nós era porque era o mesmo que o nosso, enfim
reconhecido, era a cara dos seus e
Trazido para velar,
o corpo de um pai agora já sem
Vida e
os rompantes
e o Tumor.
Longe de mim romantizar a
Loucura só porque
O louco é dos meus
mas talvez até era isso que desde cedo
fazia ele dar as descargas
elétricas
Nos outros,
tão ruim tão brabo e tão
Nervoso e talvez até um pouco
Triste também
A história dele eu não sei mas
O resto do tempo
quando não tava dando e levando choque
diz que ele era uma
Pessoa boa.
— Pelo menos no fim tinha o
Tumor
pra culpar, nós nem isso
então
culpamos ele.
A tia deu risada
sem repetir a palavra Fantasma,
ela acredita é na vida eterna
não nessas coisas,
só confirmou que acha sim que
talvez possa ser que o seu
Vô Pedro nos faça
visitas
A toda a sua linhagem
Um de nós
de cada vez.
É bom já ir se acostumando com a ideia e enquanto ele
não vem, quem sabe
aproveitar pra
Arrumar bem a casa
Botar o que der no lugar,
Alguns nem mexem nas gavetas
De tanto medo de serem pegos
Desprevenidos
com suas bagunças pra fora
Comunicando mal
cada emoção:
o medo e a influência
da visagem dele,
Vai que o Vô Pedro aparece
de vereda
pra nos dar surto ou
susto.
Assim, por solidariedade,
quando nos sobra um tempo e
pois moramos perto
Temerosos da visita repentina
Passamos uns para os outros
os panos
Que é pra mostrar o orgulho
e o capricho
em defender
uns aos outros
o que sobrou do patrimônio
do patrimônio nada, do matrimônio
Com os quais talvez ele nunca se tenha importado.
Vai saber quando o Vô Pedro
vem
e para quem.
Não fosse ele não saberíamos o valor
que a faxina tem.
Quando ele vem ficamos
Intragáveis,
exatamente como
ele era quando encostava
os fios, os fios não, não era fio era o
Tumor.
Quando ele não vem pensamos
Aleluia,
já não era sem tempo
Posso voltar
a ser alegre
Não é má criação nem desonra,
É que quando nos baixa o Vô Pedro não há
alegria
nervo ou
cônjuge
que aguente.
Mas quando se vai sabemos que já
já é outro de nós que vai ser
atormentado
com a aparição genética e caótica
talvez até meio entrópica
do Fantasma do Vô Pedro
que vagueia
Ele nos vaga é na veia