sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Eco [13]

Confesso que em alguns momentos eu pensei que houvesse aprendido, pelo amor, a amar a Laura de um jeito livre. A compreender que ela poderia beijar duas centenas de bocas, deitar-se com mais de uma dúzia de corpos, ou quem sabe um belo dia se apaixonar por outra pessoa e, ainda assim, no íntimo eu seria para ela tudo aquilo ou mais que ela havia sido para mim.
Em outros, pela dor, pensei que houvesse aprendido que o nosso amor não passava de um daqueles furos que conhecidos distantes, como fontes anônimas, dariam a jornalistas e escritores para a produção de biografias impróprias e não-autorizadas, quando alguém é acometido pela fama (para enriquecer a monotonia da minha vida, se o famoso fosse eu, ou para exagerar nos detalhes sórdidos da vida excêntrica que ela sempre levou, se a famosa fosse ela).

Mas não aprendi nada sobre nós. Decisivamente, ao menos, nada.
Queria que fosse linear, mas eu aprendo e desaprendo coisinhas miúdas todos os dias.

Devaneio insistente essas coisas porque, sabemos, sobram sempre muito mais perguntas do que respostas absolutas quando algo assim acaba. Escrevo, mesmo sabendo que nunca chegarei a uma conclusão definitiva, porque escrever me ajuda a especular o motivo para que ela tenha me deixado, ou expiar os bodes, ou simplesmente investigar as reais razões da nossa ruína.
Às vezes eu sinto e sentia que poderíamos ter insistido, noutras acreditava e acredito que estávamos perdendo tempo. O fato de que foi ela quem teve um ímpeto para consumar a decisão pela segunda opção foi um completo acaso, mas ele traz consigo um peso enorme para o ajuste das coisas nos atos seguintes deste teatro de superação pós-término: sendo eu a vítima, ela o algoz. Ela a bandida e eu o mocinho.
Para aliviar a consciência, Laura deve ter se convencido de que éramos incompatíveis. E nós éramos? Eu não sei se nós éramos. E ela também nunca mais vai saber, apenas lutar para se convencer disso, quando as perguntas que sobraram ao nosso respeito lhe pegarem desprevenida no meio do dia - se é que pegarão. A incompatibilidade é uma desculpa tão, tão, tão genérica e boa para evitar o enfrentamento dessas minúcias e mudanças todas que nós exigíamos na vida um do outro, que ela passa, impunemente, como uma grande verdade.
Teríamos nos amado para sempre, se eu fosse outro? Eu não fui outro. Quanto me custaria ser outro? Ela teria ficado, se eu estivesse mais disposto? Eu não estive mais disposto. A desistência se confunde um pouquinho com a covardia. A Laura desistiu. E tudo bem, ninguém pode culpá-la. Eu também fui presenteado com uma covardia ímpar para lutar contra os nãos que me deram e eu achei que mereci.
Sabia que a Laura seguiria em frente antes de mim. Digo, envolver-se romanticamente com outra pessoa. Eu só não sei se eu tinha essa certeza porque a considero carente e fraca, sangue frio e forte, carente e forte, sangue frio e fraca, ou carente e sangue frio. E, de novo, fosse como fosse, quem poderia culpá-la? A alma humana é cheia dessas complexidades e combinações inusitadas.
Eu só não cairia de novo na armadilha de demonstrar que achava que tinha perdido a corrida a que nos propusemos em direções opostas depois do fim. Porque eu tinha, é claro que eu tinha, mas ela não precisava saber. Quando a gente se dá conta, passou tempo suficiente para que não faça sentido dizer palavras cruéis advogando em defesa das nossas misérias. Mais tarde, não faz sentido exigir que a vida dê o troco ad eternum a alguém que nos feriu.

Laura e eu nunca seremos famosos. Ninguém se lembrará de nós. A opinião pública nunca será incitada a tomar partido, para decidir quem tinha razão. Nunca mais haverá gesto doce que restaure nela a fé na minha humanidade. E vice-versa. Os mistérios e chaves de como aquele relacionamento poderia ter funcionado continuarão sendo soterrados por montanhas de esquecimento, de minha parte lavados por rios de uma apatia forjada a muito custo.
A ferrugem do que jamais diremos em voz alta outra vez corroerá nossa última chance. O ácido do desencontro dissipará nossos ossos, até que nada nos sustente. Até que seja indolor. E nossas línguas, até que não seja mais dita nenhuma palavra a respeito. E nossa vontade de amar de novo, de um jeito honesto e novo.

Até que amemos outra vez.

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde.

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