domingo, 24 de setembro de 2017

Eco [12]

Eu lembro da primeira ocasião em que demonstrei interesse pela Laura. Na minha cabeça, tudo que aconteceu era algo lógico, quase matemático: ela caiu matando, eu fiquei assustado, precisei raciocinar, pareci rejeitá-la, até que confiei que poderia mostrar a ela a minha versão mais frágil e, digamos, suscetível para o que estava acontecendo. Acontece que as mulheres não funcionam como os homens. Não importa o quanto você seja inseguro ou simplesmente não esteja a fim, coisa que também pode acontecer, as mulheres sempre acreditarão que o problema é com elas.
Mulheres como a Laura muitas vezes sabem, bem no fundo, que o problema não é com elas - ou que os problemas que são com elas são menores que os problemas que são conosco -, mas encaram tudo como um desafio particular. Determinadíssimas, elas querem ver a gente abrir a guarda para um soco de euforia com o sentimento que são capazes de provocar. Querem nos fazer provar de seu veneno como se fosse remédio. Como se fosse, não. Como de fato é. Quando surge na vida delas um cara como eu, é como se o Universo lhes tivesse brindado com o problemático da vez numa oportunidade ímpar de revirar sua condição humana, testando seus limites. Descortinando os grandes mistérios da humanidade.
Foi surpreendente vê-la vibrar, bruxa e santa, com o fato de que, naquele começo, vertiginosamente eu me derretia pela tempestuosidade macia da sua presença inusitada na minha vida. Foi revelador perceber que ela enxergava em mim tudo aquilo que eu me esforçava para não parecer ser (e achava que conseguia, porque ninguém mais parecia se importar). Vê-la sorrir de canto, finalmente entendendo que uma das minhas pequenas batalhas internas estava sendo vencida naquele instante, era como um gozo prolongado. Como quando se chega aos quatro minutos e dez de Shine on you crazy diamond pela primeira vez. E eu era o alvo de interesse da Laura. Logo eu, um desgraçado da cabeça. Ela sabia disso. Ela via. Para ela, era evidente. E, de maneira inexplicável, encarava meu desgraçamento no fundo dos olhos, feito um presente.
Laura sem dúvida concorda com Jodorowsky quando afirma que somos irresistivelmente atraídos por quem nos trará problemas necessários para nossa própria evolução. Ela evolui o tempo todo. Você jamais a verá apaixonada por alguém fácil. Jamais. Decididamente, a Laura nunca quis a sorte de um amor tranquilo. É como se o desejo dela só aparecesse diante de situações que se assemelham à resolução de uma equação de vigésimo grau. Acho que os desajustados provocam na Laura aquele sentimento de quebra-cabeças de trocentas peças que, feito criança pequena, ela quer ver montado, peça por peça. Até enjoar de brincar.
Comunista? Crente? Introspectivo? Mora longe? Tem fama de desapegado? Possui algum vício incurável? Se as respostas forem afirmativas, para estas ou outras perguntas de semelhante calibre, há grandes chances da Laura se interessar por você e lentamente virar sua vida do avesso. Ela chega sem saber que o brilho intenso que resplandece é capaz de iluminar de longe os momentos mais obscuros da sua existência, e vai embora sem notar que você já tem uma expectativa sincera de que ela continue lhe fazendo companhia pelo máximo de tempo possível.
A própria causa da perda de interesse da Laura é para mim um mistério. Se já fui capaz de identificar seu padrão de comportamento para que a atração nasça, não sei dizer a razão pela qual ela vai embora. Será que é um cansaço? Que ela exaure rápido a disposição para lidar com aqueles problemas específicos? Quem sabe ela tenha me largado porque já me ensinou o suficiente. Para se desafiar de outra forma, logo ali em frente. Será que ela não tem a força descomunal que se enxerga nela? Será que ela enjoa dos dilemas de quem fez os dilemas dela parecerem pequenos, lá no início?
Talvez só a psicanálise seja capaz de, um dia, desvendá-la. Talvez minha primeira demonstração de interesse tenha sido o começo do fim. Mas como é cruel pensar assim, prefiro crer que ela também não sabe a razão. Do que tenho certeza é que preferirá para sempre as águas mais profundas, porque absolutamente nada que é raso e superficial lhe detém. E emergirá de quando em quando num impulso, sorrindo numa plenitude solitária, tomando fôlego para o próximo mergulho.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que textão da porra