segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Chovia

Eu sei que chovia porque ouvia o barulho. Não era lágrima, era chuva. Não era água, era cansaço. Era a nuvem pesada em cima das nossas cabeças trovejando, trovejando. Uma leveza que nunca vinha inteira. Um sol e luz que não duravam. Somos solares, percebeu? Somos solares. Somos fruta das mais cítricas. Somos tropicais, mas pra que chovermos tanto? A tela escura e a chuva e esse tempo que não passa até chegar amanhã de manhã com alguma clareza. Cada pingo de água é uma vez que eu me senti ruim nos últimos tempos. Ruim quer dizer muito: amarga, grosseira, equivocada. Ruim também quer dizer pequena. Ruim quer dizer pior do que podia ter sido. Ou pior do que na imaginação. O que se pode fazer com essa chuva? Que cai. Toca fazendo barulho. Cai como as palavras mais duras caindo da boca sem retorno, nada podendo ser des-chovido. Essa chuva molha as reflexões que me recuso a fazer. Abatuma o bolo. Os ruídos e estalos. As manias. Desfaz as construções — todas de areia, barro e pó. Essa chuva desmancha os montes. Lava mais um dia pra fora do calendário de brisas amenas. Pesa o clima. Um fenômeno meteorológico que nenhum mortal, como nós, parece poder controlar. Chuva que não respeita mais previsões. Planos. Outro natal. As roupas no varal. Abri de novo a janela e não era impressão. Chovia. Abri um guarda-chuva e molhava, mesmo assim.