quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Eco [32]

Do fundo de algum lugar desta noite clara de lua cheia sirena o alarme de um carro, inconveniente e impossível de ignorar, como se houvesse um bicho pequeno e esquivo ativando o sensor de movimento a cada dois minutos. 
Desperto, eu me dou conta de que esqueci duas verdades não ditas bem no teu arco do cupido, Laura. Eu as contorno com fantasia lembrando que ainda estarão lá pela manhã, depois do banho, quando rascunhares as bordas da tua boca de dizer coisas inimaginadas com lápis e batom.
Tenho medo de morrer porque tenho medo de nunca mais poder me perder apontando o inferno ou o céu da tua boca com o indicador tocando naquela parte demasiado macia e granulosa onde começam os teus lábios, tu inteira mucosa, epitelial, conjuntiva como uma oração para me receber. Temo nunca mais poder afundar estes mesmos dedos na tua carne tentando alcançar a derme enquanto me dou conta de que aqui, recostado nestes travesseiros te intuindo dormir, pareço um pouco com um inseto de verão. Circundando hipnotizado, atraído pelo irresistível, quase cego, quase zonzo, tua luz artificial que brilha diuturna no meu imaginário, basta um interruptor (embutido, escondido, acionado - pelo alarme deste carro).