Bem-vindos ao consagrado e às vezes revelador, outras não muito, tour pelo Caulabouço da mansão da minha caubeça. Com as narinas ainda impregnadas pelo cheiro do Trânsito (há, aliás, quem diga que o mau cheiro em si tem ficha criminal suficiente para que também fosse trancafiado neste ambiente imundo, se lhe fosse possível aprisionar com estas mesmas grades), alcançamos os aposentos de outra figura bastante célebre desta instituição prisional.
Recolhido em flagrante em meados de 2015 com algemas feitas de papel, aos gritos hollywoodianos de protesto meritíssimo, impende destacar que está aí o Advogar Para Parente. Em que pese Advogar Para Parente fizesse parte de uma quadrilha amplamente conhecida, lamentavelmente não foi toda caupturada à época: era composta por ele, Advogar No Interior, Advogar Num Grande Escritório, Advogar No Fim do Ano, Advogar Em Massa Querendo Qualidade de Boutique e o chefe do bando, Advogar Por Si Só. Todos estes absolvidos, porque subornaram a juíza da causa, hoje transitam livremente como se fossem imprescindíveis à manutenção da ordem e indispensáveis à administração da justiça. Sobrou para o Advogar Para Parente, o que tinha mais escrúpulos, constrangido por seus princípios básicos de nunca dizer não e ser sempre o mais solícito que conseguia, declarar-se culpado e cumprir as condenas de todos somadas, todas juntas. Prisão perpétua. Seu celular ainda toca com mensagens de pedidos de ajuda - sim, ele tem um celular, mas a administração finge que não sabe e ainda lhe concede visitas íntimas pelo menos um final de semana por mês, e em todo feriado religioso. Sendo muito eloquente, naturalmente obteve êxito e foi agraciado com muitos admiradores. Romarias insurgentes entoam à frente do Caustelo o bordão da claque, uma reflexão social profunda, atemporal e perene, da qual nem a prisão lhe privou: "Como está o meu processo? Como está o meu processo? Como está o meu processo?". Advogar Para Parente ouve esta espécie de toada de apoio dos populares entrando pelas frestas e sorri amarelo no canto de sua cela. Encolhido, ele acredita que merece. Do temor reverencial de servir aos menos favorecidos ele veio, à família ele inevitavelmente retorna, em looping.
Quase na mesma época, imbuída a gerência da intenção de dar tratamento igual aos polos diametralmente opostos, ocorreu o encaurceramento dO Suposto Saber: um anjo decaído que integra a facção rival do Advogar Para Parente. Isento, neutro e, ao que se sabe, com superpoderes terapêuticos hipnóticos e viciantes, O Suposto Saber finge ser indispensável para todo adulto perturbado até que se consolidem, dia a dia, muitas novas pirâmides de seu esquema. Sussurra teorias junguianas sem citar a fonte. Ouve muito, pergunta amenidades e profundidades enquanto oferece um copo de água e uma caixa de lenços, comporta-se até que bem aqui no Caulabouço. Apropria-se das melhores fofocas, do conhecimento comum (dito em que tom de voz?), da filosofia e dos livros de psicanálise, como uma esponja. Depois, ao que se sabe, pode regurgitar uma gosma verde e letal que gruda na cabeça da vítima, e que precede um golpe mortal como katanas que sua facção apelidou de corte lacaniano. Tomem cuidado. Estudos já realizados revelam que, com olhar inquisidor, ele pode cruzar as pernas como uma senhora de meia-idade com os cabelos recém pintados, o seu colar de pérolas, a roupa toda combinando, um relógio que só mostra as horas para si mesmo e um espelho cognitivo-comportamental apontado para quem chega. O Suposto Saber é uma Medusa ao contrário: olhá-lo despetrifica. O simples contato com O Suposto Saber pode acelerar os pensamentos, reposicionar o que era tido como certo, conduzir aos insights mais geniais - daí a sensação de dependência.
A ponto de esquecermos que, quando a visita acaba, lá longe, das portas deste lugar para fora, é necessário obrar como quem esquece que há tantas jaulas neste subsolo, as ocupadas e as outras, ainda disponíveis a preencher.