terça-feira, 20 de julho de 2021

Alegoria

As câmeras do celular novo são ótimas, mas o disparo já com zoom acaba com tudo. Os pixels ficam enormes e tudo na imagem ganha uma espécie de contorno branco. Meio Romero Britto ao contrário. Meio não-cor. Meio radiografia. Uma captura em contraste diretamente do mundo invertido. É como se a fotografia fosse banhada de um excesso de luz que, justo pelo excesso, compromete a essência da coisa. Já não permite contexto. Tudo contaminado.
Desde que comprei o celular novo virou uma falta de respeito fotografar as coisas com zoom. Melhor mesmo o panorama geral, para depois aproximar de novo com tempo e se quiser. Melhor a tomada ampla, a perspectiva superficial, uma noção do todo envolvido - didaticamente falando.
Acho que é assim ser enxergada de perto demais, por um excesso de intimidade, por alguém que me conhecia bem antes. A gente de repente fica à mostra e se reconhece nova de uma forma que não esperava. Pior: a gente agora se vê ali, na tela, de um jeito que talvez não quisesse. Formatada pelas circunstâncias. Na contramão do high definition. Ou quem sabe como uma consequência dele, visto que o instante capturado em milissegundos pelo zoom é muito feio, mas (também) é exatamente quem a gente é. Hoje. Quem a gente está sendo enquanto tem esta discussão.
Ocorre-me agora que eu talvez não saiba ainda ajustar a câmera ideal para cada ocasião. Mas não estou a fim de me sentir burra ou inadequada por isso, porque a verdade é que tenho tentado muito. Estou exausta de tentar. Então quero mesmo é falar do espanto que me causa notar que mesmo o celular novo sendo excelente, tem este defeitinho de fábrica. Possivelmente sem conserto: não existe botão desver ou desfotografar com zoom. Ora fica nítido que ganhei esta ruga no meio da testa de repente, ora num clique errado sou capaz de circular a ruga com tinta branca, o que é ainda pior. Talvez já a tivesse antes, mas não notasse, pela forma como capturava a realidade. Como se aquela mínima reprovação pela resolução, antes manifestada em silêncio, ganhasse agora a forma de um insulto no meio de uma briga. Mas vamos voltar à alegoria: é meio que como uma imagem VGA ampliada num outdoor. Não é que tudo tenha subitamente se transformado. Ainda é quase a mesma fotografia, mas parece pior só porque não cabe ali. Esticou.
Deve ser por causa de celulares com câmeras como o meu que inventaram os filtros do Instagram (e o ventilador, para espalhar a merda até que tudo seja tão merda que haja de novo beleza num pouco de ar fresco, mas isso é outra história). Deve ser por situações assim que inventaram a capacidade de reinventar a consideração e o respeito por alguém, dando um passo atrás, mesmo com o coração estraçalhado de quem já não pode evitar nem sabe mais negar ter dado um passo à frente.

Perdão. Eu já não consigo ser muito bonita no macro, tão de perto a ponto de não haver espaço para mostrar o que me tornei de longe.

Deve ser culpa do meu celular.

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