sábado, 9 de março de 2019

Take me to church


Na quarta de cinzas, rezei para desquerer a nossa química, desenviar aquela mensagem e dessentir a correnteza desse frio na barriga me levando de novo para o centro do furacão, mesmo sabendo que certos verbos e feitiços não admitem ser desfeitos. E nem combina comigo tentar, porque sei que eu não posso contra a força avassaladora da ação e de como me sinto quando encontro Deus nos detalhes. Dobrei os braços e sobrepus as mãos torcendo para que a luz do mesmo sol que te guiou pelas esquinas de Los Angeles em direção à tua melhor epifania também me ensinasse a lidar com o carnaval do nosso encontro. Com o que viesse ou não viesse depois.
Você ainda não sabe, mas eu só acredito nesse Deus de coincidências. Arquitetadas coincidências, como a nossa. Eu passo meses cega, e de repente sou capaz de enxergá-lo na areia, na cor do céu e nos pássaros do fim de tarde. Na figura de capuz das tuas costas. No pé magro que carimba pegadas no mundo. Naquela mesa para quatro em que só havia nós. No cachorro preto lustroso abanando o rabo. Eu só congrego na fé dos encontros marcados. Quase posso sentir palpável girando no ar o milagre da sincronicidade quando descubro que você também vive querendo saber quanto do mundo é acaso e o quanto é livre-arbítrio.
Ensina-me com bondade e paciência sobre a existência de um passo adiante do karma yoga. Sou toda ouvidos. Não há poro meu que não implore por semelhante aprendizado. Ensina-me a conversar sobre os livros que eu ainda não li, e a lê-los. A imaginar sequoias com uivos de vento em lugares magnânimos em que eu nunca estive. E, de repente, a estar um pouco neles pelo brilho nos teus olhos. Faça as contas: não é pedir demais. A gente sabe que os miseráveis da mesa ao lado jamais suspeitarão como é sentir nada semelhante. Que não são capazes de imaginar como o mundo está girando aqui agora. Que nem a sua mãe conhece estes pequenos defeitos na voltinha do teu nariz que eu acabei de descobrir e decorar sem fazer esforço nenhum. A gente não precisa dizer em voz alta que essa rachadura na minha xícara foi feita para caber a cordinha do chá. A gente sabe. De tão intuitivo, é anti-intuitivo. Você sabe, você sabe e eu tenho certeza de que só encontros assim nos curam de nós e de nossas solidões.
Ensina-me a deixar fluir com toda a força. Aprende comigo a deixar correr, como correm a vida nos trilhos e o sangue nas veias. Atua como este poderoso instrumento. Abre as portas. Deixa atravessar a Lagoa, e o mar, e o mundo. E enxerga a virtude nessa minha obsessão. Conserva com algum espanto essa tua tez de quem apetita que Nietzsche regresse. Ensina-me a ser eu como eu venho querendo ser há muito e nem me percebia. Caminha comigo. Mancha o dínamo do meu entusiasmo com a tinta da tua pele, feito combustível. Take me to church. Ou só ilumina a porta de entrada. Em ti aceito, de novo, sem saber por quê, qualquer coisa entre o profano e o sagrado.

Nenhum comentário: