sexta-feira, 1 de junho de 2018

Para viver um pequeno amor

Antonio me esqueceu da gramática. Quando dei por mim ele já estava impregnado na memória e no idioma da cidade, enquanto eu ainda crescia os olhos sorridente com um encantamento inédito por cada ruazinha estreita e por cada sobrado florido. Foi assim que o contexto me deu o Antonio, com aquela camisa branca de sábado e não me olhando, definitivamente não me olhando num canto do bar, enquanto eu ria da minha capacidade de engendrar romances impossíveis.
As circunstâncias colidiram o meu caminho no de Antonio, presenteando-o com uma mulher que eu não lembrava que podia ser e, ao mesmo tempo, secretamente sentia falta de ser. Passeando deslumbrada de chapéu panamá pelas praças de um tempo antigo. Dançando salsa despreocupada a milhares de quilômetros de casa. Desafogada da rotina e da pressão de ser quem eu me acostumei.
O Antonio me descobriu uma mulher de vacaciones e cheia de vida. Nova e livre. Ele me desobrigou daquela necessidade ultrapassada de parecer moderna. Agora eu não estava à frente e não estava atrás: agora eu estava ali. Há muito calor e nenhum compromisso com a vanguarda no terceiro mundo acima da linha do Equador. E foi lá que Antonio me surpreendeu a retórica. Quando dei por mim olhava pra trás, coqueteando descaradamente para ter certeza de que ele me seguiria. E todo dia o Antonio ia desaprendendo os meus títulos acadêmicos e méritos, para aprender coisas mais importantes e interessantes sobre mim. Coisas que eu ignorava. Coisas que eu também não sabia. Deve ter sido assim que Antonio desapareceu a minha pretensa erudição: quando ele não se importou com os meus verbos mal conjugados e com as minhas frases pela metade mas, ao contrário, achou aquilo estranho e excêntrico. Una bonita casualidad. Enquanto repetia não ter nada a perder, o Antonio reinventou o significado de ganhar. Porque o Antonio me ganhou por uns dias. Tornou-se mais uma possibilidade onde eu pretendia que tudo fosse descrédito.
Eu levei a alma pra passear naquele destino sonhado e o Antonio ofereceu o braço e o peito tatuados para me fazer companhia. Agora, de volta à casa, eu me pergunto se o dialeto do Antonio comporta a palavra expectativa, porque isso me assustaria. Mas para viver um pequeno amor não é necessária a renúncia e o cansaço que exigem os grandes. Só é preciso estar distraído o suficiente.
Antonio me deu a impressão de que somente homens fugazes como ele serão capazes de me acompanhar, cambiante, nesta fase da vida, embora dizer isso em voz alta seja proporcionalmente emocionante e assustador. Se qualquer amor tiver de ser pequeno para que eu continue gigante, que seja. Mas que continue a arder de tempos em tempos, como o mistério da identificação com um estrangeiro, já que em alguma medida somos todos. Que a gente se reencontre pelos caminhos que seguir, sobretudo com a melhor versão do que deseja ser. E sempre com o assombro da primeira vez.
A inspiração é o melhor legado de un pasajero de vida a otro.

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