terça-feira, 18 de julho de 2017

Eco [10]

Eu estou farto de selfies e stories para tentar chamar a tua atenção. Estou farto de ser refém das minhas próprias sentenças. Eu me cansei de ouvir as músicas que aprendi a gostar contigo para extrair qualquer seiva da tua persona que fosse capaz de me alimentar. Cansei da pose de vencedor por cima da carne seca com esse abismo inteiro que carne seca ou úmida nenhuma preenche. Eu sou um pobre cão raivoso. Já não tenho saúde para as amêndoas amargas, que me embrulham o estômago mas não funcionam como veneno letal. Me sobraram nesta vida, como sobram sempre aos loucos de todo gênero, somente os nossos dois amores contrariados. Cada qual num peito como se fosse inteiro, cada qual num peito parecendo desconexos entre si, não mais uma coisa só. Laura eu não voltei bar em bar desmentir aos trôpegos que me faziam companhia no balcão que você não vale nada eu não fui ao confessionário dizer que quanto às juras de amor eterno era falso o meu testemunho mas eu rezei eu rezei eu rezei como rezam os pobres contando o rosário com tom de voz de ladainha para que não lhes falte o pão nosso de cada dia eu rezei afoito e eu rezei sem vírgulas e sem fôlego nenhum para que os anjos e santos e entidades soubessem que o fim do nosso amor me bota louco ainda e um pouco mais todo dia eu rezei pelo teu perdão e pelos pecados que eu não acho que cometi eu rezei implorando misericórdia por me render aos corpos de mulheres que eu não amei porque não te via. Perdi o juízo, a sobriedade, a compostura, os bons modos e o bom senso. Eu só não perdi a vontade de te matar de amor, Laura, de sufocar nas tuas angústias como se fossem minhas, como se fosse teu pai, como se os teus vícios fossem meus também, como se eles não importassem, como se eu não estivesse constantemente ocupado demais para que não me sobrasse tempo para pensar em ti e lamentar e chorar para dentro e pensar que no fundo deste poço tanto faz a compatibilidade formal entre duas pessoas. Eu fiz ensaios inteiros sobre a autoajuda que eu não consegui me dar de verdade, depois devaneei sobre como era rápido e fácil seguir adiante, depois me senti feliz por dois segundos com beijos e carícias horríveis antes de submergir de novo neste mar de angústia, de dúvida, de tédio e de peso morto que é a solidão. Tudo me toca fundo para que as palavras saiam conexas. Tudo já foi dito e repetido para que agora haja remédio ou remendo mas há essa vontade absurda de estar aqui, agora, para dizer que só estou. Estou na tua porta como se fosse novo. Como se fosse outro. Como se não fosse o que era mas ainda sendo. Como se houvesse uma esperança inquebrantável de que só por estar na tua presença só por te ver só por ser ouvido só por não deixar que esmaeça o contraste indisfarçável das nossas cores o meu peito consiga doer um pouco menos. Não é de Deus, mulher, o quanto tu me dói.

Um comentário:

Anônimo disse...

Às vezes parece que Laura não é sempre a mesma pessoa.