terça-feira, 9 de maio de 2017

Eco [9]

Laura, eu não sei tu, mas eu detesto com veemência a ideia de ter "contatinhos". Que praga é essa que foram inventar? Pelo amor da Santa Madre Igreja, Laura. Isso é liquidez na forma mais difícil de digerir. Minha pior bronca com a vida de solteiro. Eu não gostaria de ter que espalhar meu afeto, grão em grão, no tempo de meia dúzia de mulheres com a porcaria de um papo fraco de "você-é-lindo,-lindo!", Laura. Que raio.
Eu ainda odeio essa promiscuidade sentimental paliativa do tédio, embora já tenha reaprendido a flertar e o faça bem. Para mim, essa pulverização do desejo instensifica uma sensação de rejeição abominável. Talvez tu ainda lembres o quanto eu odeio ser rejeitado. Ainda que minimamente, por dois minutos. Ainda que por falta de olhar. A rejeição, que chega a galope, e o desinteresse, que é meio concomitante com a excitação de um novo nome na agenda, são a expressão máxima do que é ser e ter "con-ta-tinhos". Uma parte para cada passinho para trás que eu dou quando dizem essa palavra na mesa do bar. 
Às favas essa gente toda que diz por aí com tanta ênfase que quer um amor pra vida inteira (mas não cultiva direito nem um pé de cacto, Laura!), eu sei bem que esse desespero vem porque só o que eles aprenderam a ter é contatinhos. A gente sabe que quem muito quer, nada tem. Quem nada tem, muito quer. E esse ciclo que nunca acaba. Mal começou e eu estou farto de não poder conhecer o âmago de ninguém porque estão todos ocupados demais repetindo as perguntas e respostas do Questionário Oficial dos Contatinhos uns aos outros.
Não sou mais homem de uma mulher só, Laura, mas definitivamente sou homem de uma paixão só. Várias na vida, sabemos, mas uma por vez. E bem intensa. Que o contrário eu já te contei que me causou muita dor de cabeça - é coisa pra quando a gente tem dezesseis anos.
Quem sabe seja isso, então: uma espécie de maturidade. Ou uma velhice precoce. Quem sabe a idade e o tempo me impossibilitaram dessa coisa volátil própria dos que são mais jovens. Trouxeram-me uma responsabilidade emocional, fiel e senil, que me pesa no mais fundo da personalidade, sobrecarregando as articulações. Como dores nas juntas ou hérnias de disco. E, então, apodera-se de mim uma preguiça incalculável de ter contatinhos. Que me dificulta muito essa sedução indiscriminada de qualquer par de peitos que se me apresentem.
Porque são só peitos e hálitos luminosos de chiclete recém posto na boca, Laura. E eu sou piegas demais para não desejar sempre o bafinho de bom dia do domingo.

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