segunda-feira, 5 de maio de 2025

Achismos

Acho engraçado alguém achar que psicóloga brinca de marionete. Não sei se minhas articulações e falanges nasceram atrofiadas e rígidas demais para encaixar nos fios, mas me parece mesmo impossível que mesmo vulnerável qualquer delas fosse capaz de me conduzir exatamente como quisesse na base do conselho. Deliro de ser i-ma-ni-pu-lá-vel.

Acho perigoso olhar muito pra cima ou muito para baixo nos degraus sociais. Me dá um torcicolo do cão ficar julgando o quão mais eu poderia fazer tendo um pouco mais desde o princípio e há um abismo muito do lado do meu pé, no qual tenho vertigem de cair e nunca mais levantar, ao pensar que nenhuma das minhas dores é legítima a depender do quanto doa mais o básico, na maioria. Podia fazer uma moral da história falando em validação das dores e em olhar para frente, mas não era — não era mesmo — sobre isso que eu queria falar.

Acho presunçoso para um caralho escrever sem ler muito. Ainda que pra mim escrever seja apenas um procedimento padrão de profilaxia, como é a punheta para os homens. Passando dos 30 descobri que posso desagradar livremente escrevendo textos com palavras de gente grande chula como “caralho” e “punheta” — a palavra crua, a palavra nua, a boca suja da palavra decadente dos becos, como ela me ocorre na cabeça em pensamento — e simplesmente seguir minha vida. Não vou elaborar.

Acho que likes, corações e palmas direcionam muito o conteúdo. Um algoritmo um quê de mental: algo como sentir que precisa muito de algo depois de ver muitas vezes o anúncio. Ainda assim, sigo adepta do contador de visitas. Por isso não usei a palavra view: pode-se ser entusiasta do alcance e não refém da aprovação. Dar aos outros o direito de acesso e o de discordância, simultaneamente. Até lidar com isso.

Acho as respostas da inteligência artificial com base nos textos enlatados por normas meia-boca que o mecanismo de pesquisa fez bons redatores terem que escrever por anos só para rankear bem nos resultados um produto produto produto. Vídeos? Só de até um minuto e meio, que ninguém aguenta mais. E eu meio que não aguento mais viver na época em que ninguém aguenta mais.

Acho que se digo coisas como “ainda estou decidindo se sou racista ao ler mentalmente a primeira pessoa de um autor negro com a voz do Mano Brown” e recebo de volta um silêncio, este é um silêncio elegante que diz bastante. Emendado com um “Não gostei de Kundera, achei chatíssimo”, então? Vish. Diz tudo. Será que eu também achei chato? Será que eu posso? Que um dia me darei o direito? Tenho a impressão de que, ao contrário da comida, seria uma heresia dizer que não gosto de algo sem primeiro experimentar tudo. Entender tudo. Todas as obras, contexto e nuances. Sim, eu me dei uma tarefa impossível, como adivinhou? Como se eu vivesse em constante processo etnográfico dos meus próprios hábitos e gostos, mas ainda estivesse na fase da coleta de dados, sem tecer juízo de valor. Ao mesmo tempo, a vida é tão curta. Deve ser libertador, sim, deve ser libertador ler só mulher, saber fazer mais silêncio (e eles ainda assim dizerem coisas) e ter por pilar da existência se dar o direito de ser desagradada.

Acho que um dia eu chego lá.