quinta-feira, 17 de julho de 2025

Marta-Viva

Marta quer sentir que vive.
Quer viver mais
do que trabalhar,
mas sem não tem la plata
pra 
comer e morar.

Porque aprendeu
a palavra
C a p i t a l i s m o
A des-
culpa não lhe sai da boca:
Ora o mundo gira à base
dos suores,
especialmente aqueles
escorridos pelas têmporas
de quem para tudo socializar
é a única perfeita solução;
Ora encuca com aqueles outros
a quem o trabalho
é máxima da vida,
e fecham o nariz,
e trabalham, e trabalham,
E prosperam
em ignorar
um Desconforto que vive ali
todo mês
sem honrar o aluguel
Só não tem nome.

Em ambos se reconhece
Visto que alterna entre
workaholic e O sentir
que vamos todos morrer
Bem loguinho e de fadiga.

Só mesmo não se identifica
Co'aqueles terceiros
A quem o Desconforto de um século
tardio como o C a p i t a l i s m o
também vive ali
A atormentar, como pulga, saltando em coceiras
Que resolvem arranhando chamar
C o m u n i s t a s
de vagabundos 
que
não querem mesmo trabalhar
Ainda que,
bem conversadinho,
Trabalhar seja uma coisa que
Pouquíssima
gente
queira
realmente.

Não é bem

questão

de

Querer
Querer mesmo,
Marta só quer
Sentir que vive. 
Ontem comprou três picolés gourmet
inflacionados
que valeram — a pena;
      um prazer culpado;
e  a hora extra da terça;
derretendo na boca um gosto de
água e
fruta congelada
e merecimento.
Esteve vivíssima.

Outro dia se pegou bem viva
Porque o xampú
tinha 
        acabado e dinheiro de sobra
Pra comprar outro bem bom
De pronto,
Um só,
Que é pra não acumular nos armários.
Fazendo com pouco uma espuma, dia a dia,
De limpar
a vida acontecendo
Os ciclos acabando
E as unhas vem crescendo
Meio tortas, por dentro das meias
Por dentro das botas.

Marta não quer sentir que morre
Um pouco a cada dia
E, para tanto,
Vezenquando hiper-
valoriza
Um cafezinho,
Um xampú,
Um dia de sol,
Três picolés,
Um básico perrengue.
Aprende um pouco por dia a lidar
Com tantos Desconfortos
Inconsistências
E hipocrisias
Quanto tem qualquer um
E outros até maiores.

O trabalho empurra Marta
                                          para a frente
do                                                               P
                                                                    r
                                                                    e
                                                                    c
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                                                                    o
em que vira Morta
caso se jogue sem cuidado e ressalva,
E meio-dia estende a rede
Que não lhe deixa
falhar
empobrecer
diminuir
esborrachar ou
morrer.

Mas Marta não quer só viver.
Quer sentir que vive.
Para desopilar,
Marta-Viva 
é bem capaz
De assistir a um filme cabeça
De fazer um poema de amor
De inventar um jeito de viver
— avant la lettre —
Que inaugure o gênero
Marta-Viva