segunda-feira, 15 de abril de 2013

Alternativa

Olhei pros lados e tive certeza de que o evento e a ocasião fugiam do conservadorismo. E uma parte da plateia se esforçava demasiado pra me mostrar isso. Sorri olhando fixo pro palco, desviando da fumaça de cigarro, e me ocorreu que o tempo de vanguarda que eu esperava aos quinze havia finalmente chegado. Agora, nos templos da (a)d(i)versidade batizados de lugares-que-eu-andava-frequentando, eu já podia ser quase tudo que quisesse.
Pisquei e destranquei uma das minhas memórias mais interessantes, como num reflexo. O que quero dizer é que lembrei disso ontem à noite, depois do show de reggae-rock-alternativo do Dazaranha, saindo do parque, enquanto acomodava as mãos geladas nos bolsos da minha jaqueta de couro falso roxa-quase-preta, uniforme oficial pra minha metade que frequenta ambientes moderninhos:
Quando eu tinha uns quinze anos, visitei uma cidade quase distante a bem de acompanhar minha mãe numa consulta médica. Nas quase três horas esperando sozinha, sentada numa escada, do lado de fora do prédio antigo, distraída, eu me pus a observar um cara uns cinco anos mais velho que eu.
Dava aulas de violão no segundo andar. Dos vitrais pra fora ele era bonito. Da moldura da janela pra parte exterior ele era descolado. Nos meus requisitos ele era interessante. Não queria parecer austero. E era muito... Alternativo. No gênero musical, no jeito de se vestir, no passado amoroso - que eu conheci depois.  Ele era tão igual a algumas pessoas que eu vi ontem que acho mesmo que poderia estar perdido na plateia.
Naquele dia, ele me arremessou dois bilhetes em forma de aviãozinho, indicou o perfil da banda dele no orkut e o romance (que não começou) terminou duas semanas depois, quando constatei que ele era (ou fazia questão de parecer!?) alternativo... Demais. Fazia questão de parecer alternativo demais pra puxar assunto ou mesmo ver graça em mim, aos quinze. Porque eu não tinha tatuagem, nem pretensão de fazê-la. Porque eu não tinha o cabelo vermelho, nem pretensão de colori-lo, porque eu não fumava, porque eu não voltava pra casa depois da meia-noite. Enfim, eu não era marcada pelos sinais de modernidade da fração rebelde da nossa geração. Ou, ao menos, foi assim que senti, naquela época.
Ainda não pareço moderninha, por opção, mesmo já sendo muito mais livre. Nem um piercing sequer. Nem um rabisco com tinta permanente na pele. Nada. E, sim, eu tenho discernimento suficiente pra não pensar que isso transforme as pessoas diferentes em "escória", é bem verdade. Cada qual com seu cada qual.
O que eu quero mesmo dizer é que a vanguarda tardou a chegar pra aquela garota de quinze... E agora que eu já posso ser quase tudo, não quero precisar parecer ser ovelha negra pra parecer ser interessante. Com o tempo eu me dei conta de que não devo carregar sobre os ombros um estigma. Minha característica mais marcante - quiçá pudéssemos nomear como alternativa, também - sobrou resguardada por um escudo sutil e indelével, que vai além do externo: Subliminaridade. Nas músicas, nos livros, em pequenos gestos diários e em algumas memórias. Quem olha pra superfície nunca vai enxergar. E eu gosto disso.
Revolucionário pra mim é conciliar o que há de mal resolvido em si e no mundo com a alforria de mudar de ideia ao invés da escravidão de um estilo de vida. Talvez eu não queira chamar a atenção no meio de muitas pessoas, mas sim ter uma honesta autenticidade "abra-te, sésamo!", que me garanta ingresso em todas as tribos de gente que é isso ou aquilo, sem precisar querer parecer ser isso ou aquilo.
Alternativos escancarados, donos de seus cortes de cabelo alternativos e seus cigarros alternativos: não é uma crítica, é só falta de identificação, sejam felizes. Eu posso estar enganada e não pretendo lhes fazer mudar de ideia. Eu só espero que nesse mundo de tantos hábitos efusivos e demonstrações extremistas de subversividade para parecer haja lugar pra quem ainda queira ser alternativa... Das próprias portas pra dentro.

2 comentários:

Viva la Vida disse...

Nossa... dois então... E digo mais... Acho que somos bons nisso, quer dizer, em sermos autênticos.

"Talvez eu não queira chamar a atenção no meio de muitas pessoas, mas sim ter uma honesta autenticidade "abra-te, sésamo!", que me garanta ingresso em todas as tribos de gente que é isso ou aquilo, sem precisar querer parecer ser isso ou aquilo."

Gostei tanto que se eu não fosse autêntico (ao menos o suficiente) eu plagiava, sahsahu.

Kamikasianami (2)

Bobs disse...

Muito bom o texto!

De alternativo já nos basta aquilo que somos de fato. Mais alternativo ainda é alguém que sabe reconhecer toda essa alternatibilidade.