quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Deliciosa e divertida


Era, acidentalmente e sem dúvida, a calça mais justa e escura do guarda-roupas. A combinação de blusas sobrepostas também era simples, e o cabelo certamente tinha sido esquecido com o adiantado da hora, porque estava solto e nitidamente afetado pela garoa do meio-dia. Onduladamente livre, afinal. Ao menos acertou nos sapatos - baixos, pretos e de plástico, com apenas um lacinho permeável, de outro material.
Uma conferida habitual no reflexo das portas espelhadas que serviam de vitrine fez levar a mão aos cabelos, para se distrair ajeitando-os, como se fosse melhorar algo. O próximo passo, por certo, seria conferir o horário e jogar o celular outra vez dentro da bolsa cuidadosamente hospedada um pouco abaixo da dobra entre braço e antebraço, pra só então voltar a se concentrar no caminho e nos transeuntes. Sim. Concentrar-se nos transeuntes, desde os mais absortos aos menos estoicos. Sempre há alguém que mereça atenção, por qualquer motivo.
Ele vinha na contramão. Vestia jeans e camisa de uniforme - honestamente, não sei de onde, embora faça esforço para me lembrar. Mas não contaria se soubesse. Melhor eternizá-lo em seu anonimato. O que eu sei é que era bonito, mas qualquer outra descrição seria imprópria já que me concentrei no que ela também devia estar vendo. Foi um olhar detido, de seis ou sete segundos, enquanto os corpos se aproximavam, paralelos, sobre a calçada. Primeiro, olho no olho. Seguido de um contato que foi descendo, da parte dele. Uma descida que só o gênero masculino sabe fazer parecer incontrolável e própria da evolução.
E cada um seguiu seu rumo, em sentidos opostos. Ela não olhou pra trás, e é possível que ele também não o tenha feito. Não sei explicar porque, mas tenho certeza de que, em pensamentos, ele a despiu. Instinto, não sei. Mas qualquer um que assistisse a cena com os meus olhos teria a mesma certeza e, não sendo muito moralista, sorriria comigo ao ver aquela cara de aprovação tão sutil sendo evidenciada por ambos.
Eu não sei se eram conhecidos. Ou se irão se tornar. Ou se nunca voltarão a se encontrar naqueles mesmo olhares. Vocês sabem, nossos ouvidos não são preparados para ouvir o que o futuro grita. Entretanto, não é difícil presumir que o flerte, mui provavelmente, não é antigo, já que eu reconheço o ineditismo da química a metros de distância. Muito melhor do que camuflo textos em terceiras pessoas.
Da condição humana e fértil, a única coisa que cabe admitir é que, se não é a mais simples de ser exercida, é certamente a mais deliciosa e divertida.

Um comentário:

Daila disse...

Não é só de recados de garçom que se vive a vida. Ainda bem!