quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Amarras

Ouvindo "All Dressed Up", do Damien Rice.

Sentei naquela cadeira plástica dura e desconfortável com a coluna dobrada de um jeito esquisito, observando tudo. Uma mulher, jovem demais pra ser inabalável como uma mulher adulta deve ser, sentada, comendo, acompanhadamente solitária, com suas sapatilhas com laços dourados, olhando de relance para as caixas de som como quem presta atenção em cada música da rádio da universidade esperando alguma referência musical capaz de devolver o sossego tanto quanto as referências cinematográficas podem não ter conseguido. A frase faz perder o fôlego para dar a noção exata de minha asfixia.
O dia provavelmente tinha começado cedo, e talvez não muito bem, a julgar pelas feições. Ela vestia uma jaqueta jeans um pouco amarrotada que deve ter carregado durante todo o dia tórrido. Esmalte descascado em pelo menos três unhas de cada mão. Cada pedaço de comida que ela levava até a boca parecia descer minando a garganta e fulminando ainda mais o apetite.
No meio daquela refeição noturna certamente poderia ter rolado a primeira lágrima do dia, coisa que não aconteceu. E por falar em coisa, coisa curiosa é o choro que - mesmo suspenso por qualquer causa - não deixa de tornar perceptível as contrações involuntárias do corpo, retendo a água em estoque por trás dos olhos de uma mulher jovem demais para ser inabalável diante da vida. 
Sentada ali, bem vestida e comportada, imóvel, ela corria. Imitava a si mesma, no teatro de boa parte do dia. Aquela mulher tinha a pressa dentro da bolsa, protegida por um zíper frágil demais. Ela parecia atrasada para fugir de uma ocasião tão parecida com uma sessão de tortura... Estar ali, sendo quem era! Desesperador. Atada às suas próprias vestes escolhidas a dedo, ao enclausuramento que parecia necessário.
Era uma mulher enclausurada em si mesma. Em uma realidade insana e caótica, pelo menos sob certo aspecto. Os olhos daquela mulher não poderiam estar mais abertos. Cansados, eles refletiam não a si ou os outros, mas as amarras não rompidas de tudo que a liga ao irremediável tempo que se perdeu.

Um comentário:

Anônimo disse...

Perfeito