terça-feira, 28 de setembro de 2010

Matando coelhos com paragrafadas

Ei de lhes contar, pois, a minha proeza da noite passada. Preste atenção. Eu estava deitada de bruços com os olhos semiabertos. Desvio, mínima, os pensamentos para o resto do quarto e a espinha gela. Afasto largamente as pálpebras e, em grau assombroso de dilatação de pupila, avisto – iluminado por um feixe difuso de luz – o algoz daquela experiência. Meu coração começa a bater mais forte e eu giro a barriga para o alto, confusa, a fim de refletir a respeito da olhadela dada. Paro para pensar no ser cruel e estranho que me tornei, achando normal toda aquela composição da cena nitidamente assustadora.

Foi a centésima vez que notei sua presença noturna e, pasme, não me importo mais com isso. Já não o vejo mais como da primeira vez, respeitosa de sua imponência, temerosa de sua compreensão propositadamente dificultada, curiosa de sua história. Eu o vejo como um monstro a ser devorado, ou um dragão a ser vencido, um jeito de se dar bem na vida: Com duplo sentido. Dito de outro modo – vi agora, já, nessa noite, em várias outras, o que programadores veem ao ligar suas máquinas, o que costureiras veem ao sentar em suas cadeiras, o que cabeleireiras veem ao tatear suas gavetas, o que mecânicos veem ao abrir suas maletas: Um meio de chegar ao sucesso. Uma forma de prosperar. Uma ferramenta. Que será trocada quando for conveniente, mas que antes desgastará, puirá, anacronizará, envelhecerá. Hoje olho nos olhos do vigor – físico – que ele não ostenta e só pondero sua eficácia, sua legitimidade. Eu sou como “os meus”, afinal.

Ah! E também enxergo nele o veneno com o qual meus oponentes tentarão me fazer convalescer. E o carrasco está tão descaradamente presente, dessa vez! Ele me ocupa pelo menos um dia da semana. Poderia estar entre os outros, é bem verdade, disfarçado de comum, jogado às traças. Poderia estar dentro do armário, ou junto com os mais importantes. Mas nessa noite, nem uma coisa nem outra. Estava lá, sorrateiro, iluminado por precário resquício de iluminação pública vinda da rua, encarando minha vã filosofia pré-sono na madrugada, velando os meus pensamentos em todo o muito que eu era há uns sete meses atrás. E no pouco que sou agora, em sua presença.

Olha lá, mire bem, mas veja com frieza!!! Você precisa concordar. Com efeito, é óbvio que tão somente eu o fito nessas circunstâncias atuais, à noite, a sós, indefesa. Mas desejaria que você pudesse enxergá-lo sob a luz de tudo que vivi nos últimos tempos. Aposto que também perceberia, arrisco dizer com muita clareza, que ele é uma das causas e efeitos de todos os testes vocacionais que nem fiz. Um produto. Da minha vontade de reviver a semana de boas-vindas no ingresso à faculdade, minha expectativa para ir à primeira festa acadêmica, minha euforia ao subir as escadas da Unidavi como quem sobe um palácio, minha ideia de que poderia ter sido diferente, minha saudade de ser a novata estupidamente preocupada com absolutamente tudo que eu fui, com orgulho (até para o que eu não precisava) nas primeiras semanas. Vendo-o com os óculos de agora ele significa só um símbolo distorcido da inocência com que eu o respeitava até certo tempo. Ele ali, estático, cheio de palavras repetidas e a mercê das minhas interpretações, só denota que tenho saudades, de ser caloura, por exemplo, nos cem mil sentidos genuínos que a palavra pode possuir.

Estou falando que o que eu senti ontem à noite foi dúvida misturada com nostalgia. Talvez você tenha se enganado logo de início, esperando emoções lascivas ou aventuras amorosas. Nada mais e nada menos a relatar sobre, contudo. Está concluído o raciocínio: Ele não é, nem de longe, um Johnny Depp com síndrome de maníaco do parque, me olhando dormir, nas trevas, esperando para atacar. Quando muito, ele é um Código Civil na mesa de cabeceira. Desafiador. Isso mesmo. Está dito. Só um Código Civil. Mas me fazendo pensar... O que muda a coisa de figura.

Um comentário:

Anônimo disse...

OMG(osh): Realmente me assustei ao ler este breve, mas infinito desabafo seu... Juro que aprendi algumas palavras novas, porém mais que isso - prefiro não comentar minhas percepções. Imagine quantos palácios iremos (conheço e compartilho desse sentimento dejà vú)ainda andar... Meu teatro de suspense - acredito - não ser tão suspense quanto seu desabafo (sahuash). Eu não sairia de seu Blog antes de identificar o que fora observado e que tanto a levara a pensar... (Barata... Não! Algo mais medonho...)