sábado, 1 de maio de 2010

Sobre ser príncipe, ser flor, vulcões... baobás...

Um dos meus pulmões respiraria liberdade - o outro solidão.
Era tudo do que eu tinha certeza dali para frente:
Sobreviveria da minha solidão e da minha liberdade.
Minha mãe disse, e quando as mães falam o coração dos filhos sempre ouve,
que quando queremos nos perder criamos asas.
Sentia que estava me perdendo, ou, quem sabe,
nos termos de minha mãe,
tinha decidido criar minhas asas...
Uma pena eu não dominar as técnicas de vôo.
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"(...) Assim ela o afligira logo com sua mórbida vaidade. Um dia por exemplo, falando dos seus quatro espinhos, dissera ao pequeno príncipe:
- É que eles podem vir, os tigres, com suas garras!
- Não há tigres no meu planeta, objetara o principezinho. E depois, os tigres não comem erva.
- Não sou uma erva, respondera a flor suavemente.
- Perdoa-me...
- Não tenho receio de tigres, mas tenho horror das correntes de ar. Não terias acaso um paravento?
"Horror das correntes de ar... Não é muito bom para uma planta, notara o principezinho. É bem complicada essa flor..."
- À noite me colocarás sob a redoma. Faz muito frio no teu planeta. Está mal instalado. De onde eu venho...
Mas interrompeu-se de súbito. Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos. Humilhada por ter sido deixada apanhar numa mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes, para pôr a culpa no príncipe:
- E o paravento?
- Ia buscá-lo. Mas tu me falavas...
Então ela redobrara a tosse para inflingir-lhe remorso.
Assim o principezinho, apesar da boa vontade do seu amor, logo duvidara dela. Tomara a sério as palavras sem importância, e se tornara infeliz.
"Não a devia ter escutado - confessou-me um dia - não se deve nunca escutar as flores. Basta olhá-las, aspirar o perfume. A minha embalsamava o planeta, mas eu não me contentava com isso. A tal história das garras, que tanto me agastara, me devia ter enternecido..."
Confessou-me ainda:
"Não soube compreender coisa alguma! Devia tê-la julgado pelos atos, não pelas palavras. Ela me perfumava, me iluminava... Não devia jamais ter fugido. Deveria ter-lhe adivinhado a ternura sob os seus pobres ardis. São tão contraditórias as flores! Mas eu era jovem demais para saber amar."
Creio que ele aproveitou, para evadir-se, pássaros selvagens que emigravam. Na manhã da partida pôs o planeta em ordem. Revolveu cuidadosamente seus dois vulcões em atividade. Pois possuía dois vulcões. E era muito cômodo para esquentar o almoço. Possuía também um vulcão extinto. Mas, como ele dizia: "Quem é que pode garantir?" , revolveu também o extinto. Se eles são bem revolvidos, os vulcões queimam lentamente, regularmente, sem erupções. As erupções vulcânicas são como fagulhas de lareira. Na terra, nós somos muito pequenos para revolver os vulcões. Por isso é que nos causam tanto dano.
O principezinho arrancou também, não sem um pouco de melancolia, os últimos rebentos de baobá. Ele julgava nunca mais voltar. Mas todos esses trabalhos familiares lhe pareceram, aquela manhã, extremamente doces. E, quando regou pela última vez a flor, e se dispunha a colocá-la sob a redoma, percebeu que estava com vontade de chorar.
- Adeus, disse ele à flor.
Mas a flor não respondeu.
- Adeus, repetiu ele."
Antoine de Saint-Exupéry

2 comentários:

Jessica Freire disse...

Foi você quem escrevei um verso acima do texto de o pequeno príncipe?

umcentretantos. disse...

Foi sim, Jessica! =)